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A Revolução Musical e Política de “Tô Feliz (Matei o Presidente)”

Em setembro de 1992, o governo de Fernando Collor de Mello enfrentou um desafio inesperado: a censura de uma música que começava a ganhar notoriedade no cenário musical carioca. A canção em questão, “Tô Feliz (Matei o Presidente)” de Gabriel Pensador, não só mexia com as estruturas políticas do país, como também lançava luz sobre um novo talento do rap nacional. Este episódio não apenas testou os limites da liberdade de expressão no Brasil, mas também marcou o início de uma carreira que viria a transformar a música brasileira.

O Contexto Político e a Canção Proibida

A música “Tô Feliz (Matei o Presidente)” apresentava uma narrativa chocante: um jovem assassina o presidente da República, uma metáfora para a insatisfação crescente com o governo de Collor. A letra fazia referência a escândalos de corrupção e utilizava imagens grotescas e provocativas, como pessoas jogando futebol com a cabeça do presidente. Esse conteúdo inflamado foi visto como uma ameaça à ordem pública, levando o governo a tomar medidas drásticas.

Fernando Collor, que havia sido eleito em 1989 com a promessa de combater a corrupção e promover uma reforma profunda no país, estava no centro de uma tempestade política. O processo de impeachment contra ele já estava em andamento, e a música de Gabriel Pensador parecia um reflexo da revolta popular. Mas o que estava por trás dessa revolta? A letra de Pensador era um grito de desespero e frustração de uma geração que sentia que suas esperanças haviam sido traídas.

Gabriel Pensador: O Nascimento de um Talento

Gabriel Pensador, nascido no Rio de Janeiro, é um dos nomes mais emblemáticos do rap nacional. Com uma formação que misturava influências do rock brasileiro, como Titãs e Legião Urbana, e o rap dos Estados Unidos, Pensador começou a se destacar na cena musical ainda jovem. Seus gostos variados, que incluíam Bob Marley e a cultura do rap, formaram uma base sólida para sua criatividade.

Naquela época, Gabriel estava cursando Comunicação Social e teve a oportunidade de usar um pequeno estúdio para gravar sua música. Escolheu “Tô Feliz (Matei o Presidente)” por considerar que era a letra mais urgente e relevante. A canção rapidamente se tornou um símbolo do descontentamento popular e um grito de guerra contra o governo de Collor.

Análise da Letra e suas Referências

A letra de “Tô Feliz (Matei o Presidente)” é rica em referências culturais e políticas. O trecho “Bonita camisa, Fernandinho / Todos viram no seu olho a bala do meu três oitão” faz uma referência direta à figura de Collor e à sua imagem pública, que tentava passar a impressão de um presidente atlético e dinâmico. A “camisa bonita” é uma alusão a uma campanha publicitária de 1984, em que o “Fernandinho” da propaganda era o baterista Dani Holland, conhecido por suas camisas chamativas.

O uso do jingle “chegou a hora de acabar com marajás” faz referência à retórica de Collor contra os altos salários dos servidores públicos, conhecidos como “marajás”. Essa abordagem era uma parte central da campanha de Collor, que prometia limpar a corrupção e acabar com os privilégios.

Outras referências incluem escândalos específicos, como o do Ministro do Trabalho Antônio Rogério Magri, que foi acusado de corrupção, e Zélia Cardoso de Melo, Ministra da Economia, envolvida no esquema de corrupção PEC Faria. A letra menciona também o “caixão violado” e o “defunto degolado”, metáforas para a violência e o desdém público em relação ao governo de Collor.

A Repercussão e a Censura

A música rapidamente ganhou popularidade, alcançando o primeiro lugar nas paradas de sucesso. No entanto, a sua ascensão não passou despercebida pelo governo. O então Ministro da Justiça, Célio Borja, tentou impedir a divulgação da música, alegando que ela incitava a violência em um momento delicado. A censura, embora formalmente abolida pela nova Constituição de 1988, ainda era uma ferramenta de controle por meio de pressões indiretas.

A resposta do governo foi contundente: a BRZ, uma empresa estatal, ameaçou realizar auditorias fiscais em qualquer rádio que transmitisse a música. Essa ameaça foi suficiente para que as rádios parassem de tocar a canção. No entanto, a censura teve o efeito oposto do pretendido: a música ganhou ainda mais visibilidade e se tornou um fenômeno nacional. Gabriel Pensador foi rapidamente convidado para entrevistas e sua música passou a ser discutida em todo o país.

O Legado de “Tô Feliz (Matei o Presidente)”

O impacto de “Tô Feliz (Matei o Presidente)” na carreira de Gabriel Pensador foi significativo. A canção ajudou a estabelecer sua reputação e levou ao seu primeiro contrato com uma gravadora. O álbum que se seguiu incluiu sucessos adicionais e ajudou a consolidar Pensador como uma das vozes mais influentes do rap brasileiro.

Em 2017, Gabriel revisitou a canção, atualizando-a para comentar sobre a situação política contemporânea. Em vez de mencionar diretamente o nome do presidente, ele fez uma versão que falava de maneira mais geral sobre a insatisfação política. Essa atualização mostrou como a música ainda era relevante e como os temas abordados na canção original continuavam a ressoar com o público.

Conclusão

“Tô Feliz (Matei o Presidente)” é mais do que apenas uma música; é um testemunho do poder da arte em tempos de crise. Gabriel Pensador usou sua música para expressar o descontentamento de uma geração e desafiou a censura com um trabalho que se tornou um marco na história do rap nacional. O episódio ilustra a luta contínua entre liberdade de expressão e controle governamental, um tema que continua a ser relevante em qualquer época. A história de Gabriel Pensador e sua música representa um capítulo crucial na luta pela liberdade de expressão no Brasil, e seu legado continua a inspirar e provocar até hoje.

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