São Paulo é a cidade do excesso, onde a paixão e o desgosto coexistem em uma relação quase simbiótica. Para muitos, é o maior polo cultural do Brasil, onde a efervescência artística não tem limites. Para outros, é um teste diário de paciência, um labirinto de trânsito interminável e chuva imprevisível que pode transformar qualquer deslocamento em uma jornada épica. E é justamente essa ambiguidade que a banda paulistana Sound Wizards captura com maestria em sua estreia.
O grupo, fundado em 2019, lançou seu primeiro EP, Nada Que Um Dia Já Não Foi Dito, em agosto de 2024, trazendo um trabalho independente que já pode ser encontrado em todas as plataformas de streaming. Mas a grande protagonista desse lançamento é a faixa “Eu Quero Que Caia uma Bomba Atômica em São Paulo”, uma espécie de hino caótico e irônico sobre a experiência de viver na metrópole.
O Som do Caos Urbano
A sonoridade do Sound Wizards é um verdadeiro caldeirão de influências. Com elementos de Indie Rock, Pós-Punk, Shoegaze e Punk, a banda traduz o turbilhão de estímulos que São Paulo oferece diariamente. Ecos de Joy Division, The Jesus and Mary Chain e The Strokes se fazem presentes, mas a identidade do grupo se mantém única, marcada por uma atmosfera densa e letras afiadas.
A música “Eu Quero Que Caia uma Bomba Atômica em São Paulo” sintetiza bem essa abordagem. Com guitarras reverberantes e uma melodia melancólica que contrasta com a acidez da letra, a faixa se destaca não só pelo título provocativo, mas por versos que pintam um retrato visceral da vida urbana:
“Samambaia
Chão de Taco
Experiência
Instagramável”
A ironia latente escancara a gentrificação e a superficialidade do cenário cultural contemporâneo, onde tudo precisa ser “instagramável” para ter valor. A crítica segue de forma ainda mais direta:
“Ninguém vai escutar a sua música
Se você não tem fundo monetário”
Aqui, a banda toca em uma ferida aberta: a dificuldade de artistas independentes em um mercado dominado por algoritmos e impulsionado por dinheiro. Sem financiamento ou networking, até mesmo talentos promissores acabam relegados à obscuridade.
O verso seguinte desenha um ambiente urbano caótico e claustrofóbico:
“Vinte e Cinco
Longo Pescoço
Hoje a festa é dentro de um esgoto
Tem que pagar na entrada do beco
E não adianta contestar o preço”
Referências ao icônico centro comercial da Rua 25 de Março e à cultura underground das festas clandestinas reforçam o caráter urbano e noturno da música. O “longo pescoço” pode ser tanto uma alusão à pressão constante dos transeuntes quanto uma crítica sutil à vigilância social e ao medo presente na cidade.
A Cultura da Exaustão e a Rebeldia Paulistana
A grande sacada do Sound Wizards é capturar a essência de São Paulo sem dramatizá-la. Se a cidade já inspirou incontáveis canções sobre suas luzes, avenidas e possibilidades, esta música opta por desnudar seus paradoxos. É uma ode às ruas sujas, às oportunidades limitadas, à cultura da exaustão e à inescapável realidade de que, apesar de tudo, São Paulo continua sendo o epicentro da arte e da frustração brasileira.
Ao longo do EP, a banda mantém esse espírito contestador, mas também encontra momentos de introspecção. As guitarras etéreas evocam uma sensação de deslocamento e nostalgia, enquanto as letras transitam entre o sarcasmo e o desabafo existencial.
O Sound Wizards e o Futuro da Cena Indie Brasileira
Lançando um EP independente em um cenário cada vez mais dominado por grandes gravadoras e estratégias de marketing, o Sound Wizards se posiciona como um dos nomes mais interessantes do underground nacional. Sua abordagem musical e lírica ressoa especialmente entre aqueles que vivem a experiência de São Paulo de forma intensa, seja no dia a dia ou nos breves momentos de lazer entre um congestionamento e outro.
Se este primeiro trabalho é uma amostra do que a banda tem a oferecer, o futuro promete ser ainda mais interessante. Com um som que equilibra melancolia, energia e crítica social, o Sound Wizards não apenas faz música: eles traduzem o espírito de uma geração sufocada pelo concreto, pela pressa e pelo custo de existir na maior cidade do país.