Quando se fala de Renato Russo, inevitavelmente se pensa em Legião Urbana, uma das bandas mais icônicas da história do rock brasileiro. No entanto, antes da fama e do sucesso estrondoso com a Legião, Russo teve uma experiência crucial e revolucionária com o Aborto Elétrico, uma banda que, apesar de não ter alcançado a notoriedade que merecia, desempenhou um papel fundamental na cena musical de Brasília e na formação do rock nacional. Neste artigo, vamos explorar o surgimento, os desafios e o legado dessa banda pioneira, revelando detalhes e histórias que ajudam a entender por que o Aborto Elétrico é uma peça-chave na história do rock brasileiro.
O Surgimento do Aborto Elétrico
A história do Aborto Elétrico começa na efervescente cena musical de Brasília no final dos anos 70. Renato Russo, então com 18 anos, se encontrava em uma cidade que, embora fosse a capital do Brasil, parecia um deserto cultural. O grupo inicial do Aborto Elétrico, formado por Renato Russo e André Pretorius, surgiu como uma resposta direta à falta de vida cultural e ao tédio que pairava sobre Brasília.
Em um ambiente marcado pela censura e pela falta de alternativas culturais, a criação do Aborto Elétrico foi uma tentativa de trazer algo novo e provocativo. Russo, com seu espírito rebelde e visão crítica, uniu-se a Pretorius, um talentoso guitarrista que compartilhava de sua frustração com a situação cultural da cidade. Juntos, eles formaram uma banda que desafiaria os padrões estabelecidos.
A Formação da Banda e os Primeiros Passos
O grupo começou com uma formação simples: Renato no baixo e Pretorius na guitarra. Eles eram acompanhados por um baterista, Alex, cuja bateria estava mal montada e trouxe alguns desafios iniciais. Com o tempo, a banda encontrou o baterista ideal na figura de Fê Lemos, que trouxe uma bateria nova diretamente da Inglaterra, onde ele havia encomendado o equipamento.
A primeira música que o trio tocou foi “Now I Wanna Sniff Some Glue” dos Ramones, uma escolha que refletia claramente suas influências punk. As semanas seguintes foram marcadas por tentativas de aprender e tocar essa música, que se tornaria uma peça essencial no repertório inicial da banda.
Letras e Influências: A Revolução das Letras
À medida que a banda ganhava forma, Renato Russo começou a escrever suas próprias letras. Inicialmente, as composições eram em inglês e refletiam uma visão genérica do mundo. No entanto, Russo logo percebeu a necessidade de falar sobre a realidade local e de se conectar com seu público. Isso resultou em letras mais afiadas e críticas, abordando temas como a alienação, a opressão e a injustiça social em Brasília.
Em outubro de 1979, Renato gravou uma fita demo chamada “Saturno Devora Um de Seus Filhos”, que incluía a primeira versão de “Admirável Mundo Novo” e outras faixas que capturavam o espírito crítico e a essência do Aborto Elétrico. Essas músicas abordavam a realidade política e social do Brasil, refletindo o desejo de mudança e a frustração com o status quo.
A Ascensão e os Desafios da Banda
O Aborto Elétrico começou a ganhar notoriedade e a se destacar na cena local. Em 11 de janeiro de 1980, a banda fez seu primeiro show no bar “Só Cana” em Brasília. A apresentação, embora curta e improvisada, foi um marco importante e ajudou a consolidar a presença da banda na cena musical. Durante esse show, houve uma história curiosa: a palheta de André Pretorius caiu e ele continuou tocando sem parar, até que seus dedos começaram a sangrar.
A banda também passou por várias mudanças e desafios internos. As tensões começaram a surgir entre os membros, refletindo a imaturidade e os conflitos comuns entre jovens músicos. Uma das maiores discussões ocorreu quando Renato Russo apresentou uma nova letra que gerou desentendimentos com os outros integrantes.
A Declinação e o Fim
Apesar do sucesso inicial, o Aborto Elétrico enfrentou uma série de problemas que levaram à sua dissolução. André Pretorius teve que se alistar nos serviços militares devido à pressão de seu pai, que era embaixador da África do Sul. Essa situação forçou o membro a se ausentar da banda e a banda teve que enfrentar as dificuldades sem ele.
Além disso, as tensões internas cresceram, especialmente entre Renato Russo e os irmãos Lemos. O clima de rivalidade e desentendimento sobre a direção da banda culminou em uma série de desentendimentos que acabaram por marcar o fim do Aborto Elétrico. O grupo realizou seu último show para uma plateia de duas mil pessoas no Centro Olímpico da Universidade de Brasília, antes de sua dissolução definitiva.
O Legado Duradouro
Embora o Aborto Elétrico tenha chegado ao fim, seu impacto na cena musical brasileira foi profundo e duradouro. A banda não apenas lançou as bases para a futura Legião Urbana, mas também inspirou uma geração de jovens músicos e bandas que surgiram na esteira de sua revolução musical. O legado do Aborto Elétrico é visível na maneira como influenciou o punk rock no Brasil e na forma como ajudou a moldar o cenário cultural da cidade.
Em 2005, o Capital Inicial lançou um especial que incluía 18 músicas do Aborto Elétrico, oferecendo uma nova geração a oportunidade de conhecer e apreciar o trabalho pioneiro da banda. Esse especial, produzido pela MTV, é uma prova de que a música do Aborto Elétrico continua a ressoar e a inspirar.
O Aborto Elétrico, embora tenha sido uma banda relativamente pequena e efêmera, desempenhou um papel crucial na transformação do rock brasileiro. Renato Russo e seus colegas não apenas desafiaram as normas culturais e políticas da época, mas também deixaram um legado que continua a influenciar a música e a cultura do Brasil. Através de suas letras provocativas e performances intensas, o Aborto Elétrico mostrou o poder da música como uma forma de expressão e protesto, e seu impacto pode ser sentido até hoje.