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O Triângulo Amoroso e a Criação de ‘Me Chama’: A História

Em 1983, enquanto João Luiz, conhecido como Lobão, pintava os rodapés de sua casa, ele se encontrava em um momento de introspecção. Pela janela, observava a chuva torrencial que caía sobre o Rio de Janeiro, uma tarde fria que contrastava com o calor de seus sentimentos. Em sua mente, pairava a figura de sua amada, distante do outro lado do Atlântico. Ele olhava para o telefone, esperando ansiosamente por uma ligação, enquanto uma inquietação crescia dentro dele.

Foi nesse clima de expectativa e solidão que Lobão teve um estalo criativo. Correu até sua guitarra e começou a compor o que viria a se tornar uma das grandes baladas do rock nacional dos anos 80: “Me Chama”. A canção não apenas marcou a carreira de Lobão, mas também refletiu a complexidade de sua vida pessoal, incluindo um triângulo amoroso intrincado e várias histórias fascinantes que definiram essa época.

Para compreender plenamente o impacto e a criação de “Me Chama”, é necessário retroceder a 1981. Nessa época, Lobão se deparou com uma série de eventos e encontros que moldaram sua vida e sua música. Conhecemos aqui a musa inspiradora de “Me Chama” e o triângulo amoroso que envolveu Lobão, Alice Fernanda (também conhecida como Elle Speak), e Júlio Barroso.

Em 1981, Lobão estava envolvido em várias frentes musicais. Havia tocado com a banda Vímana e se juntado a Lulu Santos, e estava prestes a colaborar com a Blitz. Conhecido por sua habilidade e versatilidade, Lobão encontrou Júlio Barroso, que, em 1976, havia introduzido o movimento New Wave no Brasil através de sua banda Gang 90 e as Absurdetes. A Gang 90, com uma proposta semelhante à de bandas como The B-52 ‘s, tinha uma formação que incluía várias vocalistas femininas e uma sonoridade inspirada na New Wave.

A conexão entre Lobão e Júlio Barroso foi reativada quando se encontraram em 19 de dezembro de 1981 no Rio de Janeiro. Barroso estava procurando um substituto para o baterista da Gang 90 para um show no Morro da Urca. Lobão, aceitando o convite de forma inesperada, se encontrou com uma bailarina, Alice Fernanda, que havia se mudado temporariamente para o Brasil. Alice, uma dançarina profissional de origem holandesa, era uma das pontas do triângulo amoroso que envolvia Lobão e Barroso.

Naquela noite, enquanto Lobão tocava bateria e se apaixonava por Alice, ele descobriu que ela era a namorada de Júlio Barroso. Com o tempo, a conexão entre Lobão e Alice se tornou mais profunda, mas a situação complicou-se quando Alice voltou para a Holanda e Lobão se tornou próximo do namorado dela. Alice foi para a Holanda e, durante sua ausência, Lobão se tornou parte da Gang 90. No entanto, a relação entre Lobão e Alice evoluiu quando ela retornou ao Brasil, e Lobão já havia começado a trabalhar em “Me Chama”.

O romance e a inspiração por trás de “Me Chama” não foram apenas uma questão de sentimentos pessoais, mas também de contexto cultural e profissional. Quando Alice voltou ao Brasil, Lobão a convidou para se juntar à sua nova banda, Lobão e os Ronaldos. A colaboração entre Lobão e Alice resultou em uma química criativa que se refletiu nas músicas da época, incluindo “Me Chama”.

No entanto, o processo de criação da canção foi marcado por mais reviravoltas. Em setembro de 1983, Lobão teve a oportunidade de testar “Me Chama” durante um show em Nova York, onde se apresentou ao lado dos Paralamas do Sucesso. Herbert Vianna, um dos integrantes dos Paralamas, assistiu à performance e expressou admiração pela nova música de Lobão. No entanto, posteriormente, Lobão acusou os Paralamas de ter se inspirado em “Me Chama” para a canção “Me Liga”, levando a uma série de desentendimentos entre os músicos.

Enquanto isso, a vida pessoal de Lobão passou por mudanças significativas. Após um período difícil em que ficou sem dinheiro e enfrentou problemas pessoais, Lobão voltou ao Brasil e encontrou Alice na casa de seus pais. Infelizmente, a viagem à Holanda trouxe tristezas adicionais, com a morte do pai de Alice e a falecimento da mãe de Lobão pouco antes. Esse período de luto e introspecção levou Lobão a finalizar a composição de “Me Chama”, uma canção que capturava sua dor e esperança.

O processo de gravação de “Me Chama” foi marcado por desafios técnicos e criativos. A música foi inicialmente oferecida a Marina Lima, que estava gravando seu álbum “Full Gás”. A interpretação de Marina, embora bem recebida, não atendeu completamente às expectativas de Lobão, que preferia um tom mais melancólico. A versão final da música foi gravada com a participação de Lobão na bateria, apesar de sua frustração inicial com a produção.

A música “Me Chama” tornou-se um sucesso estrondoso, e a relação de Lobão com Alice terminou pouco depois. Alice tentou seguir carreira solo, mas eventualmente retornou para a Holanda. A trajetória de Lobão continuou com sucessos e novos projetos, incluindo a participação em filmes e discos. A canção “Me Chama” se tornou um clássico da música brasileira, simbolizando a influência e o impacto de Lobão na cena musical dos anos 80.

Em um episódio notável, João Gilberto, o pai da Bossa Nova, fez sua própria versão de “Me Chama” em 1986. Ele ligou para Lobão, que estava em uma situação financeira difícil e não pôde comparecer pessoalmente para escolher a melhor gravação. João Gilberto fez uma série de gravações e pediu a opinião de Lobão por telefone, demonstrando a importância e o respeito que “Me Chama” tinha na cena musical brasileira.

A relação entre Lobão e Alice, apesar de seu término, permaneceu amigável. Alice e Lobão continuaram a se falar, e o legado de “Me Chama” se consolidou como um marco na música brasileira. A história por trás da canção reflete não apenas o talento de Lobão, mas também as complexidades e desafios que moldaram sua carreira e vida pessoal.

Em resumo, “Me Chama” é mais do que uma simples canção; é um testemunho da intersecção entre vida pessoal e criatividade artística. A história de sua criação é um exemplo fascinante de como experiências pessoais e profissionais podem se entrelaçar para criar uma obra-prima que ressoa com o público por gerações.


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