A Gang 90 e as Absurdetes é frequentemente lembrada como a primeira banda da New Wave no Brasil, marcando o início de uma nova era musical na década de 80. Este coletivo musical, caracterizado por seu caos anárquico e suas histórias tumultuadas de drogas e triângulos amorosos, tornou-se um ícone de sua época. Mas o que aconteceu com a Gang 90 depois de sua breve, mas impactante, trajetória? Vamos explorar a história desta banda inovadora e entender seu legado na música brasileira.
O Surgimento de uma Revolução Musical
A Gang 90 foi fundada por Júlio César Barroso, um jovem visionário nascido em 1953 na Zona Norte do Rio de Janeiro. Criado na Zona Sul, Barroso era conhecido por sua inquietude criativa e por estar sempre antenado com o que acontecia no mundo da música. Embora sua juventude tenha se passado na década de 70, foi na década de 80 que ele começou a esboçar suas primeiras ideias para a banda. Barroso, que já havia experimentado várias facetas da cultura alternativa, inclusive como jornalista e adepto da cultura hip, viu a música como uma forma de expressão revolucionária.
Influências e A Conexão com a New Wave
O início da década de 80 foi um período de grande efervescência musical em Nova York, onde a cena New Wave estava em pleno crescimento. Este movimento musical, que se desenvolveu após o punk, não era exatamente um estilo musical específico, mas sim uma convergência de vários estilos emergentes, como o punk pop, o synth pop e o dance alternativo. Bandas como B-52’s, The Police, Talking Heads e Duran Duran estavam na vanguarda desse movimento.
Barroso, influenciado por esta cena vibrante, decidiu criar algo similar no Brasil. Em Nova York, ele teve o privilégio de assistir à performance da banda King Creole and the Coconuts, que misturava ritmos latino-americanos e caribenhos com música disco. Essa experiência foi crucial para a formação da Gang 90. Barroso percebeu que o público brasileiro estava carente de novidades e que algo mais ousado e inovador poderia atrair a atenção.
A Formação da Banda
A ideia de formar a Gang 90 surgiu em um hotel em Washington Square, Nova York. Barroso, acompanhado pelo cunhado e jornalista Ok de Souza, decidiu que o som inovador das boates nova-iorquinas precisava ser trazido para o Brasil. Ele desembarcou em São Paulo com uma grande coleção de vinis e passou a procurar músicos para formar sua banda.
Durante uma dessas noites em que discotecava, Barroso conheceu Alice Fermil, uma holandesa que estava visitando o Brasil. Alice, que já havia participado da gravação do primeiro disco do U2, foi convidada a se juntar à banda e adotou o nome artístico de Alice Pink Punk, uma homenagem à bailarina alemã dos anos 30. Com ela, vieram outros membros: Maria Elisa Caparelli, conhecida como May East, Denise Barroso, irmã de Júlio e conhecida como Lolita Renault, e Luisa Maria, DJ do Pauliceia Desvairada e namorada de Guilherme Arantes.
Primeiros Sucessos e Desafios
A estreia da Gang 90 ocorreu em 14 de fevereiro de 1981 no Pauliceia Desvairada, um famoso local de São Paulo. A banda rapidamente ganhou notoriedade com a música “Perdidos na Selva”, uma faixa que falava sobre um casal em meio à selva, marcada por um som enérgico e letras provocativas. Originalmente, a música não tinha refrão, mas foi modificada por Guilherme Arantes para incluir um refrão mais cativante.
Apesar do entusiasmo inicial, a banda enfrentou vários desafios. O estilo anárquico e a constante mudança de membros dificultaram a manutenção da formação original e a continuidade dos projetos. Além disso, a Gang 90 estava confinada ao circuito alternativo paulistano, e sua presença na cena musical era mais cult do que mainstream.
O Festival MPB Shell e a Mudança de Rumos
A oportunidade para a Gang 90 alcançar um público maior surgiu quando Nelson Motta ajudou a banda a se inscrever no Festival MPB Shell, organizado pela TV Globo em agosto de 1981. A banda gravou um compacto para a competição e teve “Perdidos na Selva” selecionada para a final. Embora não tenha vencido o prêmio, a música se tornou um sucesso de culto no Brasil.
No entanto, a vida na estrada e o estilo de vida desregrado começaram a afetar a banda. As turnês eram caóticas e os músicos frequentemente se envolviam em comportamentos autodestrutivos. Em um episódio memorável, o baterista Lobão se juntou à Gang 90 no final de 1981, após um show com o Hit no Morro da Urca. Lobão se tornou parte da história mais lendária da banda, com performances marcadas por improvisos e situações inusitadas, como o célebre Réveillon de 82 em Florianópolis, onde tocaram em condições precárias.
A Desintegração e os Últimos Anos
Com o tempo, a anarquia e a falta de organização levaram a uma série de desentendimentos e a saída de vários membros da banda. Alice e Denise Barroso deixaram a banda, e o grupo passou por várias mudanças de formação. Em 1983, a Gang 90 lançou seu LP homônimo, com Herman Torres como o único membro fixo. O álbum incluiu uma versão regravada de “Perdidos na Selva” e parcerias com Alice, mas não alcançou o sucesso esperado.
A saída de Alice e a instabilidade contínua na banda levaram à dissolução da Gang 90 no final dos anos 80. Júlio Barroso, desiludido, voltou para Nova York, e a banda se desfez. Em 1984, Barroso foi expulso de uma clínica de desintoxicação e morreu em circunstâncias misteriosas após cair de uma janela. Seu legado, no entanto, permanece na memória dos fãs e na história da música brasileira.
O Legado e a Reunião
Em 2019, a banda fez uma breve reunião para homenagear o legado de Júlio Barroso, com shows que incluíram alguns dos membros originais e novos cantores. O grupo lançou um single com demos dos anos 80 e participou do lançamento de um livro sobre a história da Gang 90.
Apesar das dificuldades e da breve existência, a Gang 90 deixou uma marca indelével na música brasileira. O impacto da banda pode ser comparado ao de outros grandes compositores da época, como Renato Russo e Cazuza. A história da Gang 90 é uma lembrança do espírito inovador e da busca por autenticidade que definiu a música brasileira dos anos 80.
Em suma, a Gang 90 não apenas introduziu a New Wave no Brasil, mas também desafiou as convenções e abriu caminho para novas formas de expressão musical. Seu legado continua a influenciar a música brasileira e a inspirar novos artistas.