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Trem das Sete: A Jornada Musical e Mítica de Raul Seixas

A canção “Trem das Sete” de Raul Seixas é uma obra-prima que une memórias de infância e temas místicos em uma narrativa musical única. Este artigo explora a fundo a história e o significado por trás dessa canção icônica, revelando a conexão pessoal de Raul com os trens e suas viagens para o interior da Bahia, bem como a influência do ocultismo na sua composição.

A história de “Trem das Sete” começa com uma mistura de nostalgia e simbolismo. Raul Seixas, um dos maiores ícones do rock brasileiro, criou uma canção que não só reflete sua infância, mas também mergulha em temas místicos e esotéricos. A conexão de Raul com os trens e suas viagens para o interior da Bahia são aspectos centrais para entender a profundidade desta música.

Raul Seixas cresceu em uma família composta por sua mãe, Dona Maria Eugênia, seu pai, Seu Raul Varella, e seus irmãos Raul e Plínio. A família residia em Dias D’Ávila, uma cidade localizada a cerca de 50 a 60 km de Salvador. Na época, Dias D’Ávila era um distrito de Camaçari e, embora hoje seja um município, na década de 1950 era um local com um charme especial. A cidade era conhecida por seu clima agradável e pelo Rio Imbassaí, que, acredita-se, possuía propriedades medicinais, uma característica que atraía muitos da região metropolitana.

A conexão de Raul Seixas com Dias D’Ávila tem raízes profundas. O avô de Raul, Raul Justiniano Seixas, adquiriu uma grande fazenda na região chamada Feira Velha. A compra foi feita contra a vontade de sua esposa, Aura Varela Seixas, que considerava as terras de pouco valor devido ao terreno pantanoso. No entanto, a presença de rios de águas cristalinas fez com que o avô decidisse loteá-las e vendê-las. Curiosamente, um dos compradores de lotes foi o avô materno de Raul, revelando a interconexão das famílias.

Dias D’Ávila, com sua paisagem natural e tranquilidade, serviu como cenário para as travessuras infantis de Raul. As lembranças desses momentos foram fundamentais na criação de “Trem das Sete”. A saudade que Raul sentia de Dias D’Ávila, combinada com as condições precárias das estradas de barro, fez com que as viagens semanais da família Seixas para a casa de veraneio fossem realizadas de trem. O trem, conhecido localmente como “Pirulito”, partia de Salvador por volta das 7 horas da manhã e era uma parte importante da vida de Raul durante a infância.

Além das memórias pessoais, a influência do ambiente ferroviário na vida de Raul Seixas é evidente. Seu pai, engenheiro da Rede Ferroviária Federal, frequentemente levava Raul em viagens de trem, proporcionando ao jovem um contato precoce com a música popular nordestina, como o Baião. Esses momentos contribuíram para a formação do repertório musical de Raul, que mais tarde se tornaria um dos maiores nomes do rock brasileiro.

O significado de “Trem das Sete” vai além das lembranças de infância. A canção também é imbuída de influências ocultistas, refletindo a fascinante combinação de temas espirituais que permeiam o trabalho de Raul Seixas. Anos antes de se envolver com a Sociedade Alternativa, Raul já estava imerso nas ideias de Aleister Crowley, um famoso ocultista britânico. Crowley, conhecido por sua filosofia de abolição das divisões entre o bem e o mal, influenciou a visão espiritual de Raul, que se manifesta em diversas músicas, incluindo “Trem das Sete”.

A letra de “Trem das Sete” revela uma forte influência do ocultismo. Em um verso marcante, Raul canta sobre “o mal vindo de braços e abraços com o bem num romance astral”. Essa linha reflete a crença de Crowley de que bem e mal são aspectos interligados de uma mesma realidade espiritual. Essa visão é compartilhada por muitas tradições religiosas orientais, que veem a divindade como uma síntese do bem e do mal, ao contrário da visão ocidental que busca eliminar o mal.

No final da canção, Raul apresenta uma imagem poderosa da unidade divina. O verso “O trem vem trazendo de longe as cinzas do velho Aeon” faz referência a um conceito esotérico importante. Aion “, na verdade “Aeon”, é um termo usado por Crowley para descrever uma nova era espiritual. O trem, então, simboliza a transição para essa nova era, uma ideia que Raul explora em outras canções, como “Novo Aeon”, do seu terceiro álbum.

A era de aquário, um conceito astrológico que define um novo ciclo de aproximadamente dois mil anos, é mencionada em relação à busca por uma nova espiritualidade. No entanto, Raul Seixas evita usar a terminologia “Nova Era” ou “Era de Aquário” diretamente, preferindo referir-se a um “novo Aeon”. Isso demonstra sua abordagem única para a espiritualidade e sua resistência às categorizações convencionais.

Durante uma entrevista em 1975, Raul discutiu a relação entre “Trem das Sete” e a transição entre eras. Ele explicou que a canção era uma metáfora para a mudança espiritual e a busca por compreensão mais profunda. A influência do ocultismo e a exploração de novas ideias espirituais são evidentes em seu trabalho, refletindo seu interesse em conceitos místicos e filosóficos.

Em termos de produção, “Trem das Sete” é um exemplo notável do talento de Raul Seixas para criar músicas impactantes. A canção foi gravada com a colaboração de Rick Ferreira, um renomado produtor musical que trabalhou com Raul durante a produção do álbum “Guita”. Rick Ferreira descreve a criação da introdução da música como um processo intuitivo e colaborativo, com a contribuição de vários músicos talentosos.

O álbum “Guita”, no qual “Trem das Sete” aparece, é conhecido por sua ousadia estrutural e pelo uso de uma ampla gama de músicos. A faixa conta com a participação de uma orquestra de cordas da gravadora Fonograma, arranjada pelo Maestro Miguel Sidras, e um coral, o Coral Stefanini, cuja contribuição é fundamental para o som grandioso da canção. A produção elaborada e o arranjo sofisticado são características marcantes do álbum e refletem a visão artística de Raul Seixas.

Em conclusão, “Trem das Sete” é uma canção rica em significado e contexto, que vai além das memórias de infância de Raul Seixas. Ela representa uma fusão de nostalgia pessoal e temas esotéricos, refletindo a complexidade e a profundidade do trabalho de Raul. Com sua combinação de memórias afetivas, influências ocultistas e uma produção musical refinada, “Trem das Sete” permanece como um testemunho duradouro da criatividade e da visão única de Raul Seixas no cenário musical brasileiro.

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