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Tornar-se Led Zeppelin: A história definitiva de uma lenda viva

Poucas bandas conseguiram moldar a história da música moderna como o Led Zeppelin. Sua trajetória é marcada por inovação, excessos e uma mística inigualável. O novo documentário “Becoming Led Zeppelin” promete desvendar a “história não contada” dessa banda que influenciou gerações e redefiniu o rock. Mas será que o filme realmente faz jus ao legado de um dos maiores ícones da música?

Desde a formação da banda em 1968, o Led Zeppelin construiu um universo sonoro complexo e multifacetado. Combinando blues, hard rock, folk, e ritmos globais — africanos, asiáticos e latinos — o quarteto britânico se tornou sinônimo de criatividade e audácia musical. Jimmy Page, o arquiteto sonoro por trás das composições; Robert Plant, a voz mitológica que canalizava o espírito do rock; John Paul Jones, o mestre discreto de arranjos precisos; e John Bonham, a força bruta e rítmica que ainda hoje é reverenciada como um dos maiores bateristas de todos os tempos.

Mas o que diferencia o Led Zeppelin de seus contemporâneos é a própria resistência à categorização. Eles eram camaleônicos, reinventando-se em cada disco e cada apresentação ao vivo. A banda evitava a imprensa tradicional, preferindo manter o mistério, o que só alimentava a mitologia em torno de suas performances incendiárias e das histórias de bastidores.

Um olhar cuidadoso para a gênese do Led Zeppelin

Dirigido por Bernard MacMahon e Allison McGourty, “Becoming Led Zeppelin” tenta captar a essência dessa jornada quase mítica. Após o sucesso da premiada série documental “American Epic” (2017), que mapeou as origens das gravações de música de raiz nos Estados Unidos, MacMahon e McGourty embarcaram no desafio de contar a história de uma das bandas mais influentes de todos os tempos.

Como MacMahon explicou em uma entrevista à BBC, a ideia do documentário surgiu da seguinte pergunta: “Havia uma banda que pudesse representar a transição definitiva da música do pós-Segunda Guerra Mundial para o auge do rock nos anos 60 e 70?” A resposta não poderia ser outra: Led Zeppelin.

Convencer os membros sobreviventes da banda a participar foi um desafio por si só. Afinal, Jimmy Page, Robert Plant e John Paul Jones sempre foram avessos a revisitar o passado. No entanto, o respeito mútuo entre eles e os cineastas, somado ao interesse da banda pela série “American Epic”, tornou o projeto viável.

Arquivos raros e a ausência de imagens clássicas

Um dos maiores atrativos de “Becoming Led Zeppelin” é a impressionante seleção de material de arquivo. O filme reúne duas horas de imagens raras, desde registros pessoais até apresentações pouco vistas, como o jovem Page tocando skiffle e John Paul Jones como organista da igreja. O documentário é enriquecido por entrevistas recentes com Page, Plant e Jones, trazendo uma visão mais madura sobre o impacto que tiveram no cenário musical.

Ainda assim, a ausência de registros visuais de algumas apresentações históricas deixa uma lacuna. O próprio Robert Plant alerta os espectadores de que o documentário não poderia incluir cenas de muitos shows icônicos, já que o lendário empresário Peter Grant fazia questão de proteger a privacidade da banda, confiscando câmeras do público em seus concertos.

Música como personagem central

A força do documentário, no entanto, está na música. MacMahon sabiamente coloca as canções do Led Zeppelin como o verdadeiro protagonista. A trilha sonora não apenas reforça a narrativa, mas serve como um dispositivo que guia o espectador através da cronologia da banda. Em momentos cruciais, como a assinatura do contrato com a Atlantic Records ou as primeiras turnês pela Europa, a música nos transporta diretamente para o coração dos eventos. Canções como “Your Time Is Gonna Come”, “Ramble On”, e “Communication Breakdown” são mais do que trilhas sonoras; são testemunhas vivas de uma era.

E é aí que “Becoming Led Zeppelin” se destaca. As performances mostradas no documentário — incluindo uma apresentação no Bath Festival de 1970 — capturam a energia crua e quase ritualística do Led Zeppelin ao vivo. Mesmo sem o contexto completo dos excessos e tragédias que viriam mais tarde, o filme celebra a genialidade musical do grupo sem cair em armadilhas sensacionalistas.

O legado imortal do Led Zeppelin

Um dos momentos mais fascinantes do filme é quando o romancista William S. Burroughs compara o som do Led Zeppelin à música de transe marroquina, descrevendo-a como uma “força mágica destinada a evocar e controlar forças espirituais”. Essa visão quase mística do poder do Zeppelin talvez seja o que define melhor a banda. Eles não eram apenas músicos; eram alquimistas do som, capazes de transformar experiências sonoras em algo transcendente.

Para Phil Alexander, editor colaborador da Mojo e conhecedor profundo do legado da banda, essa “energia cinética” permanece atual e relevante até hoje. “O Led Zeppelin não soa como uma banda presa no tempo. Há uma atemporalidade na música deles que poucas bandas conseguem alcançar”, observa Alexander. E ele está certo. Cada audição revela novas camadas, detalhes ocultos que continuam a surpreender décadas depois.

Uma narrativa consciente para novas gerações

Diferente de biografias como “Hammer of the Gods”, que enfatizam o lado mais sombrio e hedonista da banda, “Becoming Led Zeppelin” opta por uma abordagem mais consciente e inspiradora. O filme termina no lançamento do segundo álbum da banda, antes do auge de sua decadência. É um recorte deliberado que evita os escândalos e foca na criatividade e no trabalho árduo.

Ao final, o documentário deixa uma mensagem clara: perseverança, foco e paixão são os ingredientes essenciais para transformar sonhos em realidade. Para uma nova geração de músicos e fãs, essa pode ser a lição mais importante de todas.