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O dia em que Renato Rocha salvou o vocalista do Cogumelo Plutão

Responsável por dar voz a sucessos como “Esperando na Janela” e “Da Janela”, o Cogumelo Plutão se consolidou como um dos principais nomes do chamado rock romântico brasileiro nos anos 2000. A banda, que figurou em trilhas sonoras de novelas e conquistou espaço nas FMs ao lado de nomes como Detonautas, LS Jack e Capital Inicial, era liderada por Blanch Van Gogh, uma figura carismática e talentosa — mas que também carregava histórias marcantes de superação fora dos palcos.

Uma dessas histórias envolve ninguém menos que Renato Rocha, o lendário e, por vezes, incompreendido ex-baixista da Legião Urbana. Em um episódio pouco conhecido, mas absolutamente comovente, Renato não apenas colaborou musicalmente com Blanch, como também, em um gesto de pura humanidade, salvou sua vida. Literalmente.

A amizade que começou antes da fama

Em entrevista recente ao canal MPB Bossa, Blanch relembrou com emoção os bastidores dessa conexão profunda com Renato. Segundo ele, o encontro decisivo aconteceu no início dos anos 2000, mas a amizade vinha desde o final dos anos 1980, quando seus caminhos se cruzaram no efervescente cenário musical carioca.

Na época do reencontro, Blanch estava temporariamente afastado do Cogumelo Plutão e desenvolvia um projeto paralelo chamado Coquetel Diamante, lançado pela Indie Records. Renato Rocha, por sua vez, enfrentava dificuldades financeiras e tentava se reerguer após anos longe do centro das atenções. “Ele estava precisando de apoio, e eu o levei até a gravadora com a ideia de produzir um disco solo dele. Eu o ajudei a articular isso, com todo carinho”, contou Blanch.

Quando a música se mistura com o destino

Pouco tempo depois, durante uma reunião com o advogado Neemias Gueiros, Blanch sofreu um aneurisma na calçada do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Quem estava com ele no momento crítico? Renato Rocha.

“Ele me pegou desmaiado, me colocou num táxi e me levou pro Hospital São Lucas, em Copacabana. Salvou minha vida”, relatou Blanch. “Ele estava sem dinheiro, só com um cheque de um show que tinha feito. Mesmo assim, não hesitou em me socorrer.”

É uma imagem poderosa. Dois músicos, muitas vezes esquecidos ou subestimados, em um momento extremo de vulnerabilidade. Um salvando o outro — primeiro pela amizade, depois pela música.

Uma faixa inédita como homenagem

E a colaboração não ficou apenas no plano pessoal. Pouco antes do incidente, os dois haviam gravado uma música juntos. Uma faixa inédita, com Renato não só no baixo — sua especialidade — como também nos vocais. “Ele não era um grande cantor, mas deu tudo de si. Tocou lindamente. Foi, sem exagero, o maior baixista do rock nacional”, declarou Blanch.

A gravação, até hoje inédita, será lançada em outubro como uma homenagem oficial do Cogumelo Plutão a Renato Rocha. E mais do que um tributo simbólico, será também um gesto concreto: “Eu vou ceder todos os meus direitos autorais e fonográficos dessa música para a família dele. É o mínimo que posso fazer.”

O lançamento será feito em parceria com o produtor Jefferson Titio, que também possui outras gravações inéditas de Renato Rocha em seu acervo. A música chegará ao público por meio da tecnologia Musicard, uma plataforma inovadora que remunera artistas antes mesmo de suas faixas chegarem às plataformas digitais. “É uma ferramenta incrível. Tem artista ganhando até R$ 30 mil por mês com ela”, comentou Blanch, que atua como um dos divulgadores da iniciativa.

Um lançamento com respeito e emoção

O cuidado com a memória de Renato vai além da logística. Blanch revelou que a família do baixista ainda não ouviu a faixa. “Vamos levá-los ao estúdio para ouvirem juntos. Vai ser um momento emocionante. Queremos fazer isso com sensibilidade e respeito.”

O gesto contrasta com a maneira como a mídia e parte do público trataram Renato Rocha nos últimos anos de sua vida. Conhecido por seu talento no início da trajetória da Legião Urbana, ele acabou sendo retratado por muitos como uma figura trágica, esquecida. Mas Blanch discorda veementemente dessa narrativa.

“Ele não era um derrotado”

Questionado sobre a morte de Renato Rocha, Blanch foi direto e comovente em sua resposta: “Muita gente pintou ele como um derrotado. Mas não era. Ele estava limpo. Eu acredito até hoje que ele morreu por conta do cruzamento de dois remédios. Um deles eu também tomava, e fui parar no hospital por quatro dias. Sempre falo isso pra família dele.”

A fala de Blanch oferece uma importante reflexão sobre como tratamos nossos artistas quando eles estão fora do holofote. Renato, para ele, era muito mais que um “ex-baixista da Legião Urbana”. Era um músico brilhante, leal, e um verdadeiro amigo — um homem que, em um momento crítico, foi capaz de um gesto heróico e altruísta.

Novos caminhos para o Cogumelo Plutão

Enquanto prepara uma nova turnê do Cogumelo Plutão e uma leva de lançamentos futuros, Blanch segue determinado a manter viva a memória de Renato Rocha — não apenas com palavras, mas com ações concretas e justas.

Essa história, portanto, é mais do que um bastidor emocionante do rock nacional. É uma lição sobre amizade, sobre lealdade e sobre como a música tem o poder de conectar vidas em momentos improváveis.

E como diria o próprio Fantano se falasse português: isso aqui é mais do que uma nota decimal. É uma história que toca fundo, daquelas que fazem a música valer a pena — nota 10 com louvor.