Desde que a música pop entendeu o poder do audiovisual como extensão de seu discurso, obras como Purple Rain (1984), de Prince, e Lemonade (2016), de Beyoncé, se tornaram referências incontornáveis. Elas não apenas ilustraram os álbuns a que pertencem, mas os ampliaram, transformando canções em experiências multissensoriais. Esses filmes não foram meros vídeo clipes estendidos, mas sim declarações visuais que expandem o significado e a força da obra sonora.
É com esse peso nas costas — e ambição nas entrelinhas — que surge Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes, dirigido por Trey Edward Shults em parceria com Abel Tesfaye, mais conhecido como The Weeknd. O longa promete um mergulho sombrio e introspectivo na psique de uma estrela pop em crise. No entanto, o que se vê é menos um ensaio sobre a dor e mais um desfile de vaidade embalado por uma estética sufocante e um roteiro disperso. O resultado é um filme que deseja ser arte, mas se afoga no próprio espelho.
A promessa de uma jornada emocional profunda
De início, a premissa é atraente. A obra se propõe a explorar os bastidores emocionais de uma figura pública prestes a desmoronar. A insônia, a dor física, a solidão e o esvaziamento da fama seriam os pilares dessa descida ao inferno moderno. Em tese, temas potentes. A fama, afinal, há muito deixou de ser apenas um palco iluminado para se tornar também uma cela dourada.
Abel, que já flertou com esse universo de auto exploração visual na controversa série The Idol, volta a apostar no audiovisual como forma de expandir o universo temático de seu último álbum. O problema é que, diferentemente de artistas que transformam suas crises em catarse coletiva, como Kendrick Lamar, David Bowie ou mesmo Kanye em seus melhores dias, The Weeknd opta por uma abordagem centrada em si mesmo — e apenas em si mesmo.
Quando o estilo vira muleta
Visualmente, o filme quer ser imersivo. Utiliza uma paleta monocromática sufocante, com luzes vermelhas pulsantes, câmeras ansiosas e um design de som opressivo. Tudo isso para transmitir a inquietação interior do protagonista. No entanto, a ausência de variação tonal — tanto visual quanto emocional — acaba sabotando a proposta.
Não há respiro. Não há pausa. O que poderia ser uma jornada emocional multifacetada vira um martelar estético incessante. É como se o filme gritasse o tempo todo para ser levado a sério, mas esquecesse de oferecer algo além da superfície.
Em determinados momentos, até há sequências visualmente impressionantes. Cenas onde a música assume o comando e sugere uma harmonia rara entre som e imagem. Mas esses instantes são curtos, isolados e, infelizmente, nunca evoluem. São como faíscas em uma tempestade de neblina.
Personagens rasos em um mar de pretensão
O elenco, embora talentoso, é desperdiçado por um roteiro rarefeito e diálogos que mais parecem recortes de posts enigmáticos de redes sociais. Barry Keoghan, ator que já provou sua capacidade de carregar complexidade em silêncios e olhares, interpreta Lee — um personagem que deveria funcionar como espelho ou contraste ao protagonista, mas acaba reduzido a um arquétipo amorfo.
Jenna Ortega, por sua vez, surge como Anima, uma figura quase onírica, presente em muitas cenas, mas sem função dramática clara. Ela aparece, paira, desaparece. Não tem profundidade, agência, nem mesmo uma jornada. Seu papel é mais simbólico do que narrativo — e isso poderia funcionar, não fosse a superficialidade do simbolismo empregado.
O culto à estética e a ausência de alma
O maior pecado de Hurry Up Tomorrow não é sua pretensão estética. Ambição é desejável, especialmente em um cenário audiovisual saturado por fórmulas previsíveis. O problema real é a ausência de substância. O filme é hermético, frio e autocentrado. É uma obra que parece querer impressionar mais do que comunicar, mais preocupada com o impacto visual do que com a construção de uma experiência emocional honesta.
Trabalhos audiovisuais como Pink Floyd – The Wall ou American Utopia, de David Byrne, conseguem transformar o subjetivo em universal. Eles partem da dor pessoal para chegar ao coletivo. Já Hurry Up Tomorrow se fecha em um mundo onde apenas a dor do artista importa — e o público que tentar decifrar o labirinto, sozinho, sem mapa e sem bússola.
The Weeknd: a performance de uma crise
A performance de The Weeknd dentro do longa é mais uma extensão da persona que ele vem construindo nos últimos anos do que uma real desconstrução. Seu personagem é um homem quebrado, isolado, em busca de redenção — mas essa busca nunca se concretiza. Não há transformação, não há epifania, não há enfrentamento. Há apenas o giro constante em torno da própria dor, como se o sofrimento fosse um fim em si mesmo.
Nesse sentido, Hurry Up Tomorrow mais se aproxima de um editorial de moda existencial. Bonito, estilizado, sofisticado na forma, mas vazio de conteúdo. Falta-lhe justamente o que grandes obras do gênero conseguem oferecer: vulnerabilidade real. A sensação que permanece é a de que o espectador foi convidado para um mergulho profundo, mas encontrou uma piscina rasa.
Hurry Up Tomorrow quer ser uma experiência sensorial, uma reflexão sobre os efeitos da fama e uma confissão artística. Mas termina como uma coleção de cenas desconectadas que giram ao redor de uma ideia não realizada. É o retrato de um artista tentando se encontrar, mas sem coragem de realmente se expor.
No fim, não é a ausência de dor que enfraquece o filme — e sim a ausência de partilha. Faltam momentos de comunhão, de abertura, de troca. O espectador não é convidado a se sentir com o protagonista, mas apenas a assistir de longe, impotente, sua crise em looping. Em um cenário em que o audiovisual tem cada vez mais a missão de unir arte e empatia, Hurry Up Tomorrow opta por erguer um muro — espelhado, estiloso, mas intransponível.