Depois de uma década de ausência, o System of a Down voltou ao Brasil com uma missão dupla: reconectar-se com uma base de fãs apaixonada e mostrar, de uma vez por todas, que atitude no rock vai muito além do que se faz em cima do palco. E, meu amigo, eles cumpriram essa missão com estilo, carisma e um grau inesperado de afeto. A turnê Wake Up!, que passou por São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, foi muito mais do que um desfile de hits — foi uma ode ao poder transformador da música ao vivo e à conexão humana.
Ao longo de cinco apresentações lotadas, a banda armênio-americana reuniu mais de 160 mil pessoas, provando que ainda há muito fôlego — e relevância — no seu som pesado, politizado e catártico. Mas o que talvez mais tenha surpreendido os fãs foi o comportamento dos integrantes fora do palco: humano, espontâneo e, por vezes, até emocionante.
Música em estado bruto
Falando em performance: se a ideia era matar a saudade com força, eles foram além. Com mais de 30 músicas por noite, a banda fez um verdadeiro mergulho em sua discografia, mesclando clássicos absolutos como Chop Suey, Toxicity e Aerials com faixas menos óbvias que agradaram até os fãs mais exigentes. E, como cereja do bolo, o último show da turnê, no Autódromo de Interlagos, contou com 40 músicas no setlist — um feito que já o coloca entre os maiores espetáculos internacionais já vistos por aqui.
Mas vamos falar de Daron Malakian, que roubou a cena. O guitarrista, além de manter sua costumeira intensidade nos riffs, mostrou-se comunicativo e bem-humorado. Ele interagiu com o público como se estivesse em casa: fez piadas, falou sobre o calor brasileiro, puxou coros e, em um momento totalmente improvável, cantou trechos de George Michael e The Police. Isso mesmo: o homem saiu do metal para o pop com a maior naturalidade. E funcionou! A galera foi ao delírio.
Emoção e gratidão no palco
Momentos emocionantes não faltaram. Durante um dos shows, Shavo Odadjian ficou visivelmente tocado quando o público formou a bandeira da Armênia usando luzes de celulares nas arquibancadas. Foi um gesto simples, mas poderoso — e Shavo retribuiu com um sorriso sincero e olhos marejados. Já Serj Tankian, sempre mais reservado, demonstrou afeto ao abraçar longamente Daron ao fim de uma das apresentações, selando ali um momento de fraternidade artística e pessoal.
A conexão com o público brasileiro é algo que vai além das palavras. É quase instintiva, visceral. E durante a Wake Up! Tour, isso ficou mais evidente do que nunca.
Fora dos palcos: o verdadeiro espírito do rock?
Se você acha que atitude rock and roll se resume a quebrar guitarras e vestir couro, pense de novo. Porque o que os integrantes do SOAD fizeram fora dos palcos diz muito sobre o que significa ser um artista relevante em 2025.
O caso mais comentado nas redes foi o de Daron Malakian, que foi filmado comprando panos de prato de uma criança nas ruas de São Paulo. E não só isso: ele deu 100 dólares ao menino e levou todos os produtos, dizendo que queria que ele pudesse “tirar uma folga”. A cena viralizou, e com razão. Em tempos de influencers performando empatia para cliques, esse foi um gesto genuíno, simples e poderoso.
Já o baterista John Dolmayan decidiu, aparentemente, virar o “elemento surpresa” da turnê. Ele apareceu na área PCD dos shows no Rio e São Paulo, conversando com fãs com deficiência, tirando fotos e quebrando a barreira entre ídolo e público. E como se não bastasse, Dolmayan ainda protagonizou uma trollagem hilária com a banda de abertura, o Ego Kill Talent: subiu ao palco durante a apresentação, roubou um prato da bateria de Raphael Miranda e depois voltou com um prato da sua própria bateria como presente. Um gesto de respeito entre músicos que arrancou risos e aplausos.
E tem mais: o baterista foi filmado ajudando duas senhoras a descerem de um táxi próximo ao Estádio Nilton Santos, no Rio. Daron e Shavo também aproveitaram a folga para curtir um jogo do Santos no Allianz Parque, mostrando que, sim, existe vida fora do camarim.
O legado do SOAD e o futuro do rock
A Wake Up! Tour mostrou que o System of a Down ainda tem muito a oferecer, mesmo sem lançar músicas inéditas desde 2020. Os shows foram brutais, precisos, mas o que mais ficou foi o espírito da banda: provocativo, carismático e atento ao mundo à sua volta.
Numa época em que muitos astros do rock parecem mais interessados em manter sua relevância via redes sociais do que em viver experiências reais, o SOAD provou que o rock ainda pode ser uma força transformadora — tanto na arte quanto na atitude. Eles não precisam de filtros do Instagram nem de marketing viral: bastam uma guitarra afinada, um palco e um coração aberto.
Mais do que nostalgia: um reencontro com propósito
Muita gente foi aos shows do SOAD movida pela nostalgia. E não há nada de errado nisso. Mas saíram com algo a mais: a sensação de ter presenciado algo real, que resiste ao tempo, às tendências e às plataformas. Em um momento em que a indústria cultural muitas vezes parece plastificada, o System of a Down mostrou que a autenticidade ainda é um dos maiores atos de rebeldia.
A mensagem que fica é clara: ser “do bem” é, sim, muito rock n’ roll. E nesse quesito, o SOAD deu uma aula — no palco, nas ruas e, principalmente, nos gestos.