Quando ouvimos “Marvin” dos Titãs, muitas vezes não imaginamos que a música é, na verdade, uma adaptação de uma história bastante diferente e carregada de contexto social. Embora não seja uma narrativa real, “Marvin” é profundamente inspirada nas dificuldades enfrentadas pelas famílias negras no Sul dos Estados Unidos. Mas, o que exatamente uma música com raízes no soul americano tem a ver com a cena rock brasileira? Vamos explorar as sete curiosidades que revelam a trajetória e a transformação dessa faixa icônica.
- A Origem da Música “Pets”
“Marvin” é uma versão adaptada da música “Pets”, originalmente escrita por Jenner Norman Johnson e ROM Gamba. Johnson, que foi o principal vocalista do grupo de soul americano Sherman & The Board, teve uma carreira notável antes de falecer em 2010, aos 69 anos, vítima de câncer de pulmão. “Pets” foi lançada no primeiro disco do Sherman & The Board em 1970, como a faixa número 4. A letra da canção retrata a vida de um menino no Alabama, refletindo a luta e a resiliência diante da adversidade.
Na versão original, a música começa com uma declamação que não foi traduzida na versão brasileira. Essa introdução é influenciada pela tradição gospel, que se faz presente na música soul e na narrativa de Johnson.
- O Impacto de Clarence Carter
Embora a versão dos Titãs seja a mais conhecida no Brasil, a música “Pets” ganhou notoriedade nos Estados Unidos através de uma regravação do guitarrista e cantor Clarence Carter. Lançada como single em 1970, a versão de Carter obteve sucesso significativo, levando os compositores a ganhar um Grammy em 1971 na categoria Melhor Música de Rhythm & Blues. Carter, que também é cego, recebeu muitas cartas de fãs que viam paralelos entre a história da música e suas próprias vidas, assim como ocorreu com Nando Reis e a versão dos Titãs.
- A Inspiração por Trás da Letra
Embora a letra de “Pets” não seja baseada em uma história real, o contexto da canção é influenciado pelas experiências pessoais de Johnson e Carter. Johnson, por exemplo, nasceu na Virgínia, e a conexão com o Alabama não é direta. Por outro lado, Clarence Carter, nascido no Alabama, viveu dificuldades semelhantes às descritas na letra, o que pode ter alimentado a percepção de que a história era autobiográfica.
- A Versão Brasileira e a Escolha do Repertório
A versão que Nando Reis e Brito ouviram não foi de Johnson ou Carter, mas sim de uma interpretação do reggae feita pelo jamaicano King Sounds, lançada em 1980 no disco “Moving for What”. Nando Reis, um grande fã de reggae, comprou esse disco e decidiu fazer uma versão em português. Brito e Reis trabalharam juntos na casa do tecladista dos Titãs, em Pinheiros, para criar uma versão que preservasse as rimas e os acentos rítmicos da original. Esse processo é detalhado na biografia da banda, Titãs: A Vida Até Parece uma Festa, escrita pelos jornalistas Eri Camargo e Luiz André Alzer.
- O Sucesso e o Risco de Perda
Apesar do potencial da música, “Marvin” passou relativamente despercebida quando lançada em 1984. A gravadora dos Titãs, WEA, considerou inicialmente lançar “Marvin” como single, mas acabou optando por “Sonífera Ilha”. Curiosamente, Nando Reis chegou a considerar deixar os Titãs para se dedicar a outra banda, o Sossega Leão. Durante um jantar com o produtor Penna Schmidt, Reis comunicou sua decisão, mas acabou mudando de ideia e retornou aos Titãs, o que foi crucial para o sucesso subsequente de “Marvin”.
O verdadeiro reconhecimento de “Marvin” veio com o lançamento do disco Go Back, em que a música desempenhou um papel importante no sucesso comercial do álbum. No show de lançamento no ginásio Mineirinho, em Belo Horizonte, a banda ficou surpresa ao ouvir a plateia cantando a letra inteira de “Marvin”, um momento marcante para o grupo.
- Quem é Marvin?
Para muitos, a associação de “Marvin” com Marvin do Looney Tunes é inevitável. No entanto, o “Marvin” dos Titãs não tem relação com o personagem animado. Existem duas versões sobre a origem do nome “Marvin”: Nando Reis afirma que foi inspirado por Marvin Gaye, o icônico cantor de soul assassinado em 1984. Já a biografia dos Titãs sugere que o nome se refere a Julian Marley, guitarrista do grupo The Wailers, que também foi uma influência para a banda. A verdade pode ser uma mistura das duas versões, mas a memória, como Reis frequentemente menciona, pode ser traiçoeira.
- Comparando as Versões
Ao comparar as letras das versões original e brasileira, observamos que a versão dos Titãs preserva a estrutura e o conteúdo da original, embora com algumas adaptações. A canção original começa com uma pregação que foi omitida na versão de King Sounds e, consequentemente, na versão brasileira. Na letra original, o refrão é uma reflexão sobre a dependência e a responsabilidade do personagem. Na versão dos Titãs, a letra é ajustada para refletir as nuances da língua portuguesa e o contexto local, mantendo o espírito da original, mas com uma abordagem única.
A versão em francês, conhecida como “Cash”, diverge completamente, abordando temas relacionados ao dinheiro, e não tem relação com a versão original de “Pets”.
Ao final, “Marvin” dos Titãs é um exemplo fascinante de como uma música pode transcender fronteiras culturais e geográficas, adaptando-se a novos contextos e mantendo sua relevância. A jornada de “Marvin” reflete a riqueza e a complexidade da música, assim como a habilidade dos Titãs em transformar uma canção em algo profundamente significativo para seu público.