Reviva o terror natalino de 1989 com “A Mulher de Preto”, aclamada adaptação que redefiniu o horror psicológico na TV britânica.
Se há algo intrinsecamente fascinante na cultura britânica, é o casamento entre o horror e a magia do Natal. Desde os tempos de Charles Dickens, histórias de fantasmas são um elemento essencial das festividades, aquecendo lareiras e deixando corações inquietos. Entre essas narrativas, uma produção se destaca pela intensidade emocional e pelo poder de aterrorizar: a adaptação televisiva de 1989 de A Mulher de Preto (The Woman in Black), dirigida por Herbert Wise e baseada no romance homônimo de Susan Hill.
Exibido originalmente na véspera de Natal, o filme tornou-se uma lenda não apenas por sua qualidade, mas por um momento específico, amplamente reconhecido como um dos sustos mais arrepiantes da história da televisão britânica.
O Contexto e a Trama
O filme apresenta Arthur Kidd (Adrian Rawlins), um advogado vitoriano encarregado de organizar o testamento e a propriedade da falecida Sra. Drablow, uma reclusa cuja mansão à beira-mar, Marsh House, exala mistério. Ao adentrar nesse ambiente sombrio, Kidd é atormentado pela figura fantasmagórica de Jennet Goss (Pauline Moran), a Mulher de Preto, que carrega uma dor intensa por ter perdido o filho, Nathaniel, em circunstâncias trágicas.
A narrativa é construída com maestria, em um ritmo de queima lenta que amplifica a tensão. Diferentemente de produções modernas repletas de efeitos especiais e sustos previsíveis, a versão de 1989 aposta na sutileza, no terror psicológico e no simbolismo. A Mulher de Preto surge como uma presença ameaçadora e, ao mesmo tempo, um símbolo da dor e do rancor humanos.
A Cena que Mudou Tudo
O clímax emocional e visual do filme acontece em uma cena icônica. Arthur Kidd, acreditando ter encontrado refúgio em uma hospedaria local, é surpreendido por um som gélido e inquietante. Jennet emerge das sombras, em um movimento etéreo que desafia as leis naturais, e se aproxima de Kidd. A performance visceral de Adrian Rawlins e o olhar malévolo de Pauline Moran criam um momento que transcende o horror tradicional.
Mark Gatiss, conhecido por seu trabalho em Sherlock e um grande fã da produção, descreveu a cena como “um choque visceral que continua a assombrar”. Segundo Gatiss, o impacto desse momento é comparável aos maiores sustos da história do cinema, como o ataque do tubarão em Tubarão ou a revelação no chuveiro em Psicose.
O Poder das Interpretações
Pauline Moran, com sua presença pálida e expressão de ódio contido, elevou o papel de Jennet a um status quase mítico. Ela comentou sobre o desafio de criar um som perturbador “do fundo da alma” para complementar sua atuação silenciosa. “Eu queria que Jennet parecesse flutuar acima do chão, uma força da natureza vingativa. Cada movimento e olhar foram cuidadosamente calculados para transmitir sua raiva e dor.”
Adrian Rawlins, por sua vez, traz um equilíbrio perfeito entre determinação e vulnerabilidade. Sua interpretação de Arthur Kidd é essencial para que o público se conecte emocionalmente com a história, sentindo cada momento de medo e empatia por sua situação.
A Atmosfera: Um Trabalho de Arte Gótica
Herbert Wise e sua equipe criaram um ambiente que é, ao mesmo tempo, realista e surreal. Locais autênticos, como a Ilha Osea em Essex, conferem verossimilhança à produção. O design de som é outra joia do filme: desde os gritos angustiantes até os sussurros distantes, cada elemento sonoro contribui para a criação de uma atmosfera de desconforto.
A trilha sonora, composta por Rachel Portman, utiliza flautas celestes e dissonâncias para transmitir a turbulência emocional de Jennet. Segundo Portman, “o som é simples, mas assustador. O uso comedido de música amplifica o impacto dos momentos-chave.”
A Herança Cultural e o Culto ao Filme
Embora tenha sido um sucesso instantâneo, A Mulher de Preto ficou fora de circulação por anos devido a questões de direitos autorais. Esse período de obscuridade só aumentou o status cult do filme, com cópias VHS se tornando itens de colecionador. Hoje, o filme está disponível em plataformas de streaming, permitindo que novas gerações experienciam seu poder.
Além disso, a história de Janet Goss transcende a tela. O romance de Susan Hill é amplamente estudado em escolas britânicas, e a adaptação teatral da obra foi uma das mais longas em cartaz no West End de Londres. Em 2012, uma nova versão cinematográfica estrelada por Daniel Radcliffe tentou modernizar a narrativa, mas foi amplamente criticada por perder a nuance e a profundidade emocional que tornaram a produção de 1989 tão marcante.
Por Que Ainda Falamos Sobre Esse Filme?
O legado de A Mulher de Preto de 1989 reside em sua capacidade de capturar os medos mais primordiais da humanidade: a perda, o rancor e o desconhecido. É uma obra que entende que o horror mais eficaz é aquele que acontece na mente do espectador. Não há efeitos especiais elaborados; tudo é construído por meio de atuações brilhantes, direção cuidadosa e uma atmosfera inquietante.
Como observou o próprio diretor Herbert Wise: “O horror na mente do público é sempre mais aterrorizante do que qualquer coisa que possamos mostrar na tela.” E essa abordagem continua a ressoar, especialmente em uma época do ano em que o passado e o presente se encontram, e as fronteiras entre o real e o sobrenatural parecem especialmente tênues.
Bom, no Brasil tivemos outros personagens como a loira do banheiro.