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“Al Capone”: O Megahit de Raul Seixas que Ele Não Conseguia Tocar

Raul Seixas é frequentemente lembrado como um dos maiores ícones do rock brasileiro, um artista cuja criatividade transcende o tempo e define uma era. Mas, mesmo sendo um gênio da composição, Raul tinha suas limitações. E uma delas é tão peculiar quanto fascinante: ele não conseguia tocar a introdução de “Al Capone”, um de seus maiores sucessos.

A revelação, quase cômica, foi feita por Jay Vaquer, músico e parceiro de Raul, durante uma entrevista ao podcast Disco Voador. O episódio expõe não apenas um lado mais humano de Raul, mas também oferece uma janela para os bastidores de sua música, revelando como ele, mesmo com suas restrições técnicas, construiu uma obra que ainda hoje reverbera entre fãs de todas as idades.

 

Raul Seixas e a Relação com a Guitarra

Raul, como muitos sabem, tinha no violão seu principal instrumento de composição. Ele não era um guitarrista técnico, muito menos um virtuoso. Sua habilidade estava no domínio de acordes básicos e no ritmo contagiante que imprimia às suas canções.

Segundo Jay Vaquer, “o Raul Seixas não sabia tocar a guitarra de algumas músicas. Eu fazia arranjos para ele, mas ele tocava mais violão de base e acordes. Ele era muito bom nisso, mas não sabia solar e criava improvisos”. Essa limitação, longe de ser um obstáculo, moldou o estilo musical de Raul, que se manteve fiel às suas influências de rock clássico, como Elvis Presley e Chuck Berry.

Esse gosto pelo rock das décadas de 1950 e 1960, aliás, definia o repertório de Raul. “Ele não tocava o rock moderno, porque não era a praia dele”, explicou Vaquer. E, de fato, isso ficou claro em suas composições, que sempre carregavam uma certa nostalgia por uma época em que o rock era mais cru, direto e despretensioso.

“Al Capone”: Quando Raul Fez História

Entre as várias músicas que marcaram sua trajetória, “Al Capone”, do icônico álbum Krig-ha, Bandolo! (1973), é uma das que mais se destacam. A faixa é um reflexo da genialidade de Raul e de sua parceria com Paulo Coelho, uma colaboração que, na época, ainda estava em seus primeiros passos.

A letra de “Al Capone” nasceu de uma mistura curiosa de ideias. Coelho apresentou a Raul uma proposta que misturava elementos aparentemente desconexos: o famoso gângster americano, Jesus Cristo e astrologia. Raul, perplexo, reagiu com sua autenticidade característica: “Isso aqui está muito complicado, cara.”

Apesar das diferenças criativas, o resultado final foi um sucesso. A simplicidade dos versos – algo que Paulo inicialmente resistiu – acabou sendo a chave para a popularidade da música. “Raul insistiu que o texto fosse mais acessível, algo que o público pudesse cantar junto. Ele sabia como ninguém o que funcionava”, comentou Júlio Ettore, especialista na obra de Raul Seixas.

 

O Episódio Cômico nos Shows

A introdução de “Al Capone”, construída a partir de um riff contagiante, tornou-se uma das marcas registradas da música. Mas, segundo Jay Vaquer, Raul nunca conseguiu tocar a guitarra nessa parte específica da canção. Nos shows, ele simplesmente fingia.

“Ele dizia: ‘Não consigo tocar isso nunca’”, relembrou Jay. “Então, durante as apresentações, ele fazia de conta que estava tocando a introdução, mas, na verdade, não estava. Era engraçado, mas fazia parte do charme dele.”

Essa anedota, além de divertida, revela algo maior sobre Raul: sua habilidade de transformar suas limitações em parte de sua persona artística. Ele nunca precisou ser um virtuoso na guitarra para conquistar o público. Seu carisma, presença de palco e, claro, seu talento para compor músicas memoráveis, eram mais do que suficientes.

 

A Parceria com Paulo Coelho: Um Marco na Música Brasileira

O encontro entre Raul Seixas e Paulo Coelho foi um divisor de águas para a música brasileira. Juntos, eles criaram canções que desafiaram convenções, exploraram temas espirituais e filosóficos e marcaram gerações.

Embora Paulo inicialmente sonhasse em ser escritor, foi Raul quem o convenceu a se aventurar como letrista. “Ele via em Paulo um potencial enorme. Raul sabia como canalizar aquela mente criativa em algo que pudesse tocar as pessoas”, explicou Júlio Ettore.

“Al Capone” foi uma das primeiras criações da dupla, e o sucesso da música ajudou a consolidar a parceria. A química entre os dois era evidente: enquanto Raul trazia sua veia musical e sua conexão com o público, Paulo contribuía com letras que desafiavam o convencional, misturando poesia, esoterismo e crítica social.

Legado de “Al Capone” e Raul Seixas

Hoje, “Al Capone” não é apenas uma música; é um símbolo da genialidade de Raul Seixas e da força transformadora do rock brasileiro. Mesmo com suas limitações técnicas, Raul conseguiu criar uma obra que permanece viva na memória coletiva do país.

E talvez seja exatamente isso que torna Raul tão especial. Ele nos lembra que não é preciso ser perfeito para ser grande. Suas músicas, assim como suas imperfeições, são um reflexo autêntico de quem ele era – um artista que nunca se conformou, sempre buscando novos caminhos para se expressar.

Enquanto continuamos ouvindo “Al Capone” e cantando seus versos atemporais, somos lembrados de que a música, em sua essência, é sobre conexão, emoção e autenticidade. E Raul Seixas, com sua voz rouca e sorriso irreverente, continua nos mostrando como é bom ser diferente.