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As Nuances de “Eu Também Vou Reclamar”: Desvendando a Crítica Social de Raul Seixas

“Eu Também Vou Reclamar” é uma das faixas mais intrigantes do repertório de Raul Seixas. Lançada no contexto turbulento da década de 1970, a música se destaca por sua abordagem irônica e crítica à moda de protestar na música popular brasileira (MPB). Neste artigo, exploraremos em profundidade as diversas camadas dessa canção e suas implicações, com curiosidades sobre a inspiração por trás da letra e a resposta de outros artistas da época.

1. A Crítica à Moda de Protesto

Primeiramente, é essencial compreender que “Eu Também Vou Reclamar” não é apenas uma música de protesto, mas uma crítica ao próprio fenômeno do protesto na MPB. Raul Seixas e seu parceiro de composição, Paulo Coelho, fazem uma observação mordaz sobre a tendência crescente de músicas de protesto que caracterizavam o cenário musical da época. Em um artigo escrito por Paulo Coelho em 1976 para um jornal de música, ele descreveu a música como uma visão crítica da “chatice insuportável” da MPB, que frequentemente apresentava um discurso de desespero e reivindicação social.

2. A Identidade do Protesto e a Crítica aos Artistas

Contrariando a ideia de que Seixas e Coelho eram contra a música de protesto, eles utilizam “Eu Também Vou Reclamar” para destacar o que viam como uma perda de autenticidade no gênero. A canção serve como uma observação irônica sobre a moda de protestar e como essa prática se tornou um clichê no contexto musical da época. Como apontado por Lucas Tomaz de Souza em sua tese de doutorado na USP, Raul Seixas se posiciona como um artista solitário e desencantado com a superficialidade do protesto musical.

3. Alfinetadas Diretas aos Artistas

A letra de “Eu Também Vou Reclamar” faz referência direta a vários artistas da MPB, oferecendo uma visão crítica e, por vezes, irônica sobre suas abordagens. Um dos alvos é o cantor cearense Belchior, cuja canção “Apenas um Rapaz Latino-Americano” é mencionada na música. O verso “Agora eu sou apenas um latino-americano que não tem cheiro nem sabor” é uma clara alusão a Belchior, que no álbum Alucinação de 1976, canta sobre a condição de um jovem latino-americano.

Além de Belchior, Raul Seixas também critica Silvio Brito, que em 1974 estourou com a música “Todo Mundo Louco”. Em 1976, Brito lançou a música “Pare o Mundo que eu Quero Descer”, que aparentemente inspirou a crítica de Seixas. Curiosamente, a relação entre Seixas e Brito parece ter sido mais complexa do que a letra sugere. Segundo JB Medeiros em seu livro Raul Seixas: Não Diga que a Canção Está Perdida, a rixa entre os dois artistas era superficial, servindo mais como um truque promocional.

4. A Resposta e a Relação com Outros Artistas

Sobre a crítica de Seixas a Silvio Brito, é interessante notar que a animosidade entre eles foi, em grande parte, uma construção de marketing. Como relatado por Silvio Brito em uma entrevista para a Rede TV em 2018, a polêmica foi utilizada para criar um frisson e atrair a atenção do público. Eventualmente, os dois artistas se reconciliaram e passaram a fazer shows juntos, demonstrando que a rivalidade foi mais uma estratégia do que um real conflito.

Outra figura mencionada é o compositor gaúcho Hermes Aquino. A música “Nuvem Passageira”, lançada por Aquino em 1976, é uma referência na letra de Seixas. A canção de Aquino não se encaixa exatamente no perfil de protesto, o que torna a crítica de Seixas ainda mais interessante, pois reflete a complexidade das influências e das interações entre os artistas da época.

5. A Parceria com Paulo Coelho

Curiosamente, Paulo Coelho, que foi coautor de “Eu Também Vou Reclamar”, também contribuiu com uma música semelhante intitulada “Arrombou a Festa”, em parceria com Rita Lee. Essa colaboração destacou ainda mais o desejo de Coelho e Seixas de criticar e explorar a superficialidade das músicas de protesto, utilizando o próprio estilo de crítica para refletir sobre a indústria musical.

6. Referências Históricas e Contexto

A música também faz referências a eventos históricos e culturais. Um exemplo é a menção ao piloto soviético Victor Belenko, que desertou para o Japão com um caça MIG-25 em 1976, e à missão Viking da NASA em Marte. Esses elementos são usados para ilustrar a crise econômica e as dificuldades da época, refletindo a abordagem irônica e crítica da canção.

7. A Dimensão Pessoal e Social

Finalmente, “Eu Também Vou Reclamar” também aborda aspectos pessoais da vida de Raul Seixas. A letra faz referência ao alcoolismo e às dificuldades econômicas, fornecendo um retrato mais íntimo e humano do artista. A inclusão de referências como a esposa Glória, e a crise do petróleo, contextualiza ainda mais a situação econômica e social do período.

“Eu Também Vou Reclamar” é uma obra multifacetada que oferece uma visão crítica e irônica da MPB e das músicas de protesto da década de 1970. Através de suas referências diretas e indiretas, Raul Seixas e Paulo Coelho proporcionam uma reflexão profunda sobre a autenticidade e a superficialidade na música. Através da exploração dessas críticas e das curiosidades associadas à canção, podemos obter uma compreensão mais rica do contexto musical e cultural da época.



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