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Fraude no Streaming: O Caso Ronaldo Torres e o Submundo dos Plays Falsos

O escândalo de Ronaldo Torres expõe fraudes no streaming, revelando prejuízos milionários e desafios na proteção dos direitos autorais.

O mercado musical brasileiro foi abalado recentemente pelo escândalo envolvendo o cantor sertanejo Ronaldo Torres de Souza, acusado de operar um esquema milionário de fraudes em plataformas de streaming. Conhecido pelo nome artístico Alex Ronaldo, o cantor utilizava bots para inflar o número de reproduções de músicas, muitas vezes roubadas de outros artistas, desviando lucros e mascarando métricas legítimas. Este caso não é apenas uma história sobre fraude; ele expõe a fragilidade do sistema de direitos autorais e a vulnerabilidade das plataformas de streaming em lidar com práticas ilegais.

O Escândalo das Fazendas de Streams

A operação que revelou o esquema descobriu que Ronaldo utilizava 21 laptops com robôs programados para simular até 2.500 ouvintes simultâneos, 24 horas por dia. Esse sistema fazia com que músicas publicadas em perfis falsos gerarem rendimentos significativos, desviados diretamente para contas ligadas ao sertanejo. O Ministério Público estima que o golpe tenha movimentado cerca de R$6,6 milhões, valor investido em bens como carros de luxo e criptomoedas.

Ainda mais alarmante foi a descoberta de que Ronaldo utilizava inteligência artificial para criar músicas, eliminando a necessidade de compor ou adquirir material autoral. Essa prática escancara um problema estrutural: a dificuldade em rastrear direitos autorais em um ambiente digital amplamente desregulado.

Impactos na Indústria Musical

O golpe de Ronaldo Torres não é um caso isolado; ele reflete um problema que afeta toda a indústria musical. De acordo com a União Brasileira de Compositores (UBC), a manipulação de números distorce as métricas que regulam os pagamentos aos artistas, criando um ciclo vicioso de prejuízos.

Marcelo Castello Branco, presidente da UBC, enfatiza a gravidade do problema:
“Essa execução falsa distorce remunerações e cria um parâmetro irreal que prejudica toda a cadeia produtiva, desvalorizando o trabalho de compositores e intérpretes legítimos.”

Estima-se que, em 2023, a indústria musical brasileira tenha movimentado cerca de R$2,8 bilhões. Fraudes como essa, no entanto, não apenas reduzem os ganhos dos artistas, mas também comprometem a credibilidade das plataformas de streaming e do próprio mercado.

Vítimas e o Submundo dos Direitos Autorais

Entre as vítimas do esquema está Murilo Huff, viúvo de Marília Mendonça, que teve músicas roubadas e lançadas sem autorização. A investigação encontrou mais de 3.900 guias — versões preliminares de composições — armazenadas nos computadores de Ronaldo. Esse dado sugere que o golpe pode ser ainda maior do que o inicialmente estimado, afetando compositores de diferentes gêneros e localidades.

No mercado sertanejo, o compartilhamento de guias é uma prática comum para avaliação de cantores. Ronaldo se aproveitou desse hábito, alterando dados de autorias e publicando músicas como suas. Essa estratégia revela a falta de mecanismos de proteção robustos para compositores no Brasil.

A Conivência (ou Omissão) das Plataformas

Plataformas como o Spotify têm um papel central nesse debate. Em resposta ao caso, a empresa declarou:
“Dependemos de nossos provedores de conteúdo para verificar direitos autorais.”

Essa posição limitada expõe uma falha crucial: a ausência de sistemas eficazes para identificar e prevenir fraudes. O uso de agregadoras estrangeiras por Ronaldo dificultou o rastreamento de suas atividades, mas a colaboração de empresas brasileiras, como a WMD, foi fundamental para desvendar o esquema.

Um Problema Global

A manipulação de plays não é um problema exclusivo do Brasil. Estudos globais indicam que cerca de 10% das reproduções em plataformas de streaming são falsas, gerando perdas estimadas em US$ 2 bilhões anuais. Grandes nomes da música já enfrentaram suspeitas de envolvimento em esquemas semelhantes. No Brasil, artistas como Gustavo Moura e Jefferson Moraes tiveram músicas retiradas do ar após investigações relacionadas ao uso de “fazendas de plays”.

Essa prática não apenas prejudica artistas legítimos, mas também engana o público, que acredita estar consumindo conteúdos populares e autênticos.

A Queda de Ronaldo Torres

Ronaldo Torres é um exemplo emblemático de como a busca pelo sucesso pode levar a escolhas desastrosas. Após participar de programas como Faustão e Encontro com Fátima Bernardes, ele nunca conseguiu consolidar sua carreira. Frustrado, decidiu entrar no submundo das fraudes, alcançando uma notoriedade que agora mancha permanentemente sua trajetória.

O caso também destaca a necessidade de reformas urgentes no mercado musical, desde a regulamentação de plataformas até a educação dos artistas sobre direitos autorais.

O escândalo envolvendo Ronaldo Torres vai além de um simples caso de fraude. Ele nos obriga a refletir sobre o impacto da tecnologia na música e sobre os valores que guiam a indústria cultural. Será que estamos priorizando métricas em detrimento da autenticidade?

O futuro da música depende de um equilíbrio entre inovação tecnológica e respeito aos direitos dos criadores. Para isso, é essencial que as plataformas assumam maior responsabilidade e que a legislação se adapte aos novos desafios do mercado digital. Somente assim poderemos garantir que o sucesso artístico seja baseado no talento e não em números inflados por robôs.