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Kanye West e o Ecossistema da Intolerância Online

 Kanye West mergulha mais fundo na polêmica, mas seu extremismo revela uma tendência maior: a normalização do discurso de ódio nas redes sociais.

Você poderia pensar que o discurso antissemita de Ye no último fim de semana – no qual ele expressou admiração por Hitler, literalmente se autodenominou nazista, elogiou Diddy e financiou um anúncio do Super Bowl apontando para uma loja virtual vendendo camisetas com suásticas – foi a gota d’água para a sua conta no X. Dada a sua longa trajetória de declarações polêmicas, essa nova explosão de ódio parecia tão extrema que alguém, em algum nível, deveria ter intervido para bani-lo da plataforma.

Exceto que não. Pelo que se sabe, Ye desativou sua conta por vontade própria e pode reativá-la a qualquer momento. Isso acontece apesar de dias de postagens frenéticas direcionadas a diversas figuras públicas, incluindo Kamala Harris, Drake, Kendrick Lamar e até mesmo o próprio dono do X, Elon Musk. E se tudo isso não fosse suficiente para levar à sua expulsão, Ye ainda postou pornografia explícita em sua página.

Claro, seu comportamento teve algumas consequências. Ty Dolla $ign, um de seus últimos colaboradores, publicou uma declaração condenando o antissemitismo e apagou todas as menções a Ye de seu Instagram. A agência de talentos 33&West rompeu os laços com o artista, e a Shopify encerrou a loja virtual Yeezy por violação dos termos de serviço. No entanto, a plataforma de Kanye permanece amplamente intacta. Sua marca Yeezy, antes do fechamento do site, vendia desde itens básicos até mercadorias controversas relacionadas ao álbum Vultures, cuja estética visual evocava artistas da cena black metal de extrema direita, como Burzum. Apesar do escândalo de 2022, quando Kanye anunciou que estava indo “Death Con 3” contra os judeus, ele conseguiu capitalizar sua infâmia e transformar a Yeezy em um império direto ao consumidor, o que, segundo ele, restaurou seu status de bilionário.

A Normalização do Extremismo nas Redes

Se há algo que essa onda de postagens revela, é a existência de uma obscura – e preocupantemente resiliente – presença extremista nas redes sociais. Nos últimos anos, especialmente na era pós-Trump, a ascensão de figuras controversas tem sido impulsionada por plataformas que se recusam a intervir de maneira significativa. Muitas dessas figuras compartilham crenças alinhadas às postagens de Ye, e a própria estrutura das redes sociais incentiva esse comportamento.

Na semana passada, o ex-presidente Donald Trump e seu vice, JD Vance, usaram o X para defender um jovem que havia sido exposto por postagens racistas. Marko Elez, de 25 anos, ex-funcionário do Departamento de Justiça Eletrônica (DOGE) de Elon Musk, teve suas mensagens vazadas, incluindo declarações como “Eu era racista antes de ser legal” e “devemos normalizar o ódio aos indianos”. O escândalo levou à sua demissão temporária, mas após uma enquete postada pelo próprio Musk perguntando se ele deveria ser recontratado, mais de 200 mil usuários votaram a favor de seu retorno. Em poucas horas, Elez estava de volta ao trabalho.

Esse episódio reflete uma dinâmica maior. Grande parte do discurso da direita nos últimos anos gira em torno da ideia de que “a cultura woke” está restringindo a liberdade de expressão. Em um perfil recente da New York Magazine sobre a nova geração de eleitores conservadores da Geração Z e dos millennials, ficou evidente que sua frustração central não é com políticas econômicas ou sociais, mas sim com a suposta impossibilidade de dizer certas palavras ou expressar certos pensamentos sem repercussões. Como resposta, o pêndulo cultural parece estar oscilando violentamente para o lado oposto: em vez de apenas resistirem às normas progressistas, muitos políticos agora ativamente celebram discursos intolerantes. O fato de um vice-presidente intervir publicamente para garantir que um jovem supremacista branco mantenha seu emprego sugere que estamos testemunhando um novo nível de normalização desse tipo de retórica.

O Ódio Está Monetizando

O que torna esse cenário ainda mais preocupante é que a ascensão desse discurso não se dá apenas por razões ideológicas, mas também econômicas. Redes sociais como o X, Instagram e TikTok não são apenas coniventes com a disseminação do extremismo – elas lucram com isso. Uma rápida olhada nos comentários de postagens patrocinadas no X revela um número alarmante de anúncios promovendo conteúdo abertamente neonazista. Desde que Musk assumiu a plataforma, houve uma explosão de contas verificadas disseminando propaganda antissemita, um fenômeno amplamente documentado por investigações como a da NBC News, que encontrou centenas de perfis pagos promovendo discursos de ódio.

Outras empresas não estão muito atrás. Em janeiro, a Meta, de Mark Zuckerberg, anunciou mudanças nas suas políticas de moderação, permitindo explicitamente discurso transfóbico na plataforma. Como se não bastasse, o conselho da empresa ganhou um novo integrante: Dana White, CEO do UFC e ferrenho apoiador de Trump, conhecido por suas campanhas anti-“woke”.

Essas mudanças não ocorrem no vácuo. A era digital transformou a indignação em um produto valioso, e figuras como Kanye West sabem disso muito bem. Por mais que sua credibilidade no mainstream tenha desmoronado, seu nicho de seguidores – aqueles que o veem como um mártir da liberdade de expressão – só cresce. Isso não significa que suas ações não tenham consequências; seus contratos e colaborações estão desaparecendo a cada novo escândalo. Mas enquanto houver um público disposto a consumir seu conteúdo e plataformas dispostas a lucrar com ele, Ye sempre encontrará um espaço para se expressar.

Um Novo Paradigma Cultural

Então, onde isso nos deixa? A atual trajetória do discurso público sugere que o extremismo não está apenas sobrevivendo – ele está prosperando. Há uma tendência crescente de figuras públicas e empresas tecnológicas cederem aos impulsos mais tóxicos da cultura digital, seja por ideologia, conveniência ou lucro. Kanye West é apenas um sintoma dessa mudança, e não a sua causa.

Suas postagens recentes apontam para diversas realidades ao mesmo tempo. Em um nível, é impossível ignorar que Ye tem um histórico de problemas de saúde mental e pode estar passando por um episódio grave. Mas seria ingênuo descartar suas ações apenas como delírios de um homem em crise. Kanye sempre teve um senso aguçado do zeitgeist, e o que ele está canalizando agora é uma radicalização que está se espalhando muito além dele.

O mundo vem se movendo gradativamente em direção à extrema direita, e parece que cruzamos um limiar alarmante. Se há algo claro nessa nova paisagem cultural, é que reverter essa tendência não será fácil – nem rápido.