Em outubro de 1985, o RPM se apresenta em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, em um evento que parecia ser apenas mais uma data na agenda da banda. No entanto, o que começou como uma decisão aparentemente inocente—gravar o show e distribuir a fita para rádios em todo o país—acabou se transformando em um marco histórico. A canção inédita, tocada exclusivamente por Paulo Ricardo e Luiz, começava a tocar nas rádios brasileiras, gerando uma onda de sucesso inesperada. Este evento, que poderia parecer trivial, tornou-se o catalisador para o lançamento do disco mais vendido da história do rock nacional: “Rádio Pirata Ao Vivo”.
O Surgimento do “Rádio Pirata Ao Vivo”
O “Rádio Pirata Ao Vivo” foi resultado de um fenômeno curioso. Inicialmente, a canção gravada em Porto Alegre não estava registrada em nenhum disco, o que gerava um problema significativo: a banda não estava gerando vendas, e a oportunidade de monetizar o sucesso estava escapando. A gravação, no entanto, gerou uma reação tão forte que levou à criação de um dos álbuns mais icônicos da história do rock nacional. A decisão de permitir que o show fosse registrado acabou se revelando um golpe de sorte que moldou a trajetória do RPM.
A Importância de Manoel Poladian e Ney Matogrosso
Para entender como o “Rádio Pirata Ao Vivo” se tornou um sucesso estrondoso, é fundamental conhecer dois personagens-chave: Manoel Poladian e Ney Matogrosso. Poladian, um empresário de renome, tinha a visão de transformar o RPM em um nome conhecido no cenário musical. Embora ele já tivesse tentado anteriormente com a Legião Urbana sem sucesso, sua entrada no cenário do RPM trouxe uma mudança significativa. Em junho de 1985, quando a canção “Loiras Geladas” começava a ganhar popularidade, Poladian contratou o RPM sem sequer assistir a um show, seguindo o conselho de Ney Matogrosso.
Poladian investiu significativamente, oferecendo um salário mais baixo do que o anterior, mas com a promessa de um aporte de 400 mil dólares para divulgação. Sua visão era levar a banda a um novo patamar, e parte dessa visão incluía a contratação de Ney Matogrosso para profissionalizar o show. Ney trouxe um novo padrão de qualidade para as apresentações, introduzindo um cenário refinado e um esquema de luzes moderno, e ajudou a banda a melhorar sua postura no palco.
A Transformação do Show e a Gravação Pirata
A intervenção de Ney Matogrosso foi crucial. Ele não só aprimorou o visual do show, mas também ajudou a banda a se movimentar melhor no palco e a interagir com o público. Matogrosso sugeriu que a banda se mostrasse mais, adotando uma postura mais dinâmica e visualmente envolvente. Essa transformação estética foi um fator importante na criação da identidade visual que seria imortalizada na “Rádio Pirata Ao Vivo”.
Enquanto a banda se preparava para a turnê, surgiram novas canções e arranjos para o repertório. “Rádio Pirata Ao Vivo” não só incluiu novas composições da banda, como “Naja” e “Alvorada Voraz”, mas também incorporou um cover de “Flores Astrais”, dos Secos e Molhados. Além disso, uma balada era necessária para equilibrar o setlist, levando à escolha de “London, London”, de Caetano Veloso, que se encaixava perfeitamente no novo formato do show.
O Impacto da Gravação Pirata e a Revolução no Mercado
A gravação pirata do show em Porto Alegre, feita no evento Atlântida Rock Sul, promovido pela Rádio Atlântida FM, acabou vazando e se tornando um sucesso inesperado. “London, London” foi especialmente notável, pois sua qualidade de gravação, apesar de não ter sido oficialmente autorizada, acabou se destacando. Essa gravação pirata provocou uma demanda desenfreada por um disco que, até então, não existia.
O sucesso da gravação pirata fez com que o RPM se tornasse um fenômeno nacional, com a música tocando de norte a sul do Brasil, gerando uma pressão imensa sobre a gravadora e a banda. A situação levou a uma reunião com a CBS, que exigiu a gravação de um novo LP, aproveitando o sucesso inesperado. Poladian e a banda estavam relutantes em parar a turnê que estava rendendo frutos e que, na visão de Poladian, já estava demonstrando que a banda tinha potencial de sucesso sem precisar parar para um novo estúdio.
O Lançamento e a Recepção do Disco
Finalmente, em 1986, “Rádio Pirata Ao Vivo” foi gravado em duas noites no Anhembi, em São Paulo. A produção do disco envolveu um trabalho intenso de gravação e mixagem, realizado no estúdio 55 em Los Angeles. O custo do projeto, que incluiu gravação, mixagem e a produção de uma capa inovadora, foi de 300 mil dólares. A capa do álbum, com fotos tiradas por Frederico Mendes e um encarte desenhado por Alex Fleming, refletia a energia e a estética do show.
O repertório do álbum incluiu canções do LP anterior, “Revoluções por Minuto”, bem como novas faixas e covers, criando um conjunto que refletia o momento mais energético e inovador da banda. A CBS, que inicialmente tinha baixa expectativa, foi surpreendida quando o disco atingiu números impressionantes de vendas, começando com 500 mil cópias reservadas antes mesmo do lançamento.
O Legado e o Impacto Cultural
A crítica foi amplamente positiva, embora alguns críticos, como Jamari França e José Emílio Rondon, questionassem a motivação comercial por trás do lançamento. Apesar das críticas, “Rádio Pirata Ao Vivo” se consolidou como um marco na história do rock nacional, vendendo milhões de cópias e solidificando o status do RPM na música brasileira. O sucesso do álbum também teve implicações mais amplas, aumentando o consumo de cocaína e gerando uma pressão insustentável sobre a banda, fatores que eventualmente contribuíram para o seu declínio.
O “Rádio Pirata Ao Vivo” continua a ser um testemunho do poder inesperado de uma gravação pirata e da capacidade da música de transcender barreiras e criar fenômenos culturais. A história por trás desse álbum é um exemplo fascinante de como decisões aparentemente pequenas podem ter impactos profundos e duradouros.