No artigo de hoje vamos falar sobre o polêmico registro, do que é considerado a Invenção do Samba. Por conseguinte, vamos falar de como o sambista Donga, ganhou o título de inventor do samba, com a sua obra, “Pelo Telefone”.
Sabe-se que, no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro, o carnaval de rua já era uma festa muito popular. Sendo que naquela época, um evento que era considerado como um pré carnaval, era a Festa da Penha.
O Sucesso de “Pelo Telefone” na Festa da Penha.
Mais qual a importância de haver um evento de pré carnaval? A importância é que nesse evento eram escolhidas as músicas que iriam tocar no carnaval, de modo informal.
Nessa festa, depois da missa, as pessoas desciam até as barracas das baianas, onde eram feitos shows musicais.
E principalmente entre essas baianas, a maioral era “Tia Ciata”, personagem recorrente do nosso tema. Pode-se dizer, que “Tia Ciata” era uma espécie de eminência parda da cultura carioca.
Sendo assim, a música que tocasse na Festa da Penha, seria uma música popular no carnaval do ano seguinte.
Aconteceu, que na festa de outubro de 1916, na barraca de Tia Ciata, chamou atenção uma música denominada “Pelo Telefone”. Muito rapidamente essa canção se popularizou entre a população.
Como consequência, “Pelo Telefone” seria uma música popular no carnaval de 1917.
“Pelo Telefone”, Um Sucesso Realmente Popular.
Nesses período, os clubes carnavalescos, ou sociedades carnavalescas já eram comuns no carnaval. Porém, cada clube tinha seu próprio repertório de músicas durante o carnaval.
Naquele ano, porém, um fato até então inédito aconteceu. Surpreendentemente os clubes carnavalescos, entraram na Avenida Central tocando “Pelo Telefone”. Tornando a referida música o primeiro sucesso popular, cantado por todos em vários pontos da cidade.
Como Começou a História “Pelo Telefone” e a Invenção do Samba.
Pode-se dizer que essa história começou quando no dia 27 de novembro de 1916, Donga, fez o registro junto a Biblioteca Nacional, de sua canção chamada “Pelo Telefone”.
Essa canção foi registrada com um inédito gênero intitulado de “Samba Carnavalesco”. Assim, neste momento, Donga cria um divisor de águas na música popular brasileira.
Talvez, quando se dirigiu à sede da Biblioteca Nacional com quatro partituras na mão, Donga nem imaginava o que estava para acontecer.
Ele levava partituras de músicas inspiradas nas cantorias surgidas nas rodas de bambas da casa de Tia Ciata. Com essa atitude, Donga iniciava duas novidades no cenário da música brasileira.
A primeira novidade, era o resguardo dos direitos autorais, através do registro.
A segunda inovação, era a invenção do samba.
“Pelo Telefone” Uma Criação Coletiva e Nada Inédita.
Contraditoriamente, fontes acusam Donga, na época com 26 anos, de ter escutado a música “Pelo Telefone” da voz de outros cantores e tê-la copiado.
Dizem que ouviu a primeira estrofe do que viria a ser “Pelo Telefone”, da voz de um cantor chamado Didi da Gracinda.
Existem relatos que Didi da Gracinda teria cantado a mesma na Festa da Penha, na barraca de “Tia Ciata”, no dia 15 de outubro de 1916. Era esse o verso que falava de um “chefe da polícia”, a partir do qual foi escrita o resto da canção.
Posteriormente, em declarações dadas pelo próprio Donga, o mesmo referiu-se a Didi da Gracinda e a um certo Germano, no processo de criação do samba. Esse Germano, seria o genro de “Tia Ciata”.
Fica claro também, que uma parte do refrão também é tomado de uma conhecida canção folclórica, chamada “Olha a Rolinha”.
Como consta no disco, essa canção é anterior aos registros de pelo telefone. O verso foi introduzido com algumas modificações, onde se lê Sinhá, foi alterado para Sinhô.
Uma Discussão Autoral que Nunca Termina.
Muito se gastou tempo, no passado, tentando definir a autoria do Samba “Pelo Telefone”. Porém nunca ninguém chegou a uma conclusão definitiva. Mas, suposições, temos muitas.
Como dito anteriormente, vários estudiosos afirmam que a música foi composta coletivamente, durante uma festa na casa da “Tia Ciata”. Coincidentemente, Donga era um dos frequentadores mais assíduos do lugar.
Entre os pesquisadores, que reforçam essa tese, estão nomes como José Ramos Tinhorão e Almirante (Henrique Foréis Domingues).
Acreditam eles que, entre os que participaram do processo de criação estariam nomes como João da Baiana, Sinhô e Pixinguinha.
Vale ressaltar, que segundo o sambista e pesquisador, Almirante, toda a letra de “Pelo Telefone” seria de autoria do jornalista Mauro de Almeida e a melodia, criada de forma coletiva na casa de “Tia Ciata”.
Participou do Processo Mais Só recebeu uma Homenagem.
Mas isso também não é provável, pois como dito anteriormente, encontramos trechos de outras canções no conteúdo da música.
Apesar de relatos dizerem que “Pelo Telefone” foi escrito por Mauro de Almeida, o mesmo não foi creditado no registro oficial junto a Biblioteca Nacional. Existe apenas uma dedicatória, na partitura manuscrita.
Com sua atitude de Donga, inicia-se uma prática que é comum nos dias de hoje. Embora na época não recebia tanta importância, é o resguardo dos direitos autorais.
Com certeza, são os registros materiais da obra, que garantem ao autor o direito de receber dividendos sobre seu trabalho.
Analogamente, no Brasil, a forma mais aceita é o cadastro feito junto a Biblioteca Nacional, instituição fundada em 1810.
Acredita-se que, ao fazer o registro, Donga, previa o sucesso bombástico que essa música teria no carnaval no ano seguinte. Com isso receberia dividendos da venda de partituras e das gravações fonográficas.
Mais e o Samba, Era Uma Novidade?
O fato é que havia, na época, dois grupos disputando a hegemonia do gênero denominado samba.
O primeiro, era o grupo liderado por Pixinguinha, do qual Donga fazia parte.
O segundo grupo, era liderado por Sinhô, que se intitulava o Rei do Samba. Embora digam, só tocava maxixes. Por outro lado, Sinhô acusava Pixinguinha de tocar tango como se fosse samba.
Talvez ao registrar a música, Donga nem estivesse pensando em adquirir a hegemonia sobre o gênero samba. Provavelmente, pensava em garantir os seus direitos monetários em uma nova canção de carnaval.
Como dito, na época, o carnaval era o grande momento de difusão de novas canções. Consequentemente uma grande fonte de renda para os músicos.
Então, como surgiu o samba? Quem inventou o Samba?
Entretanto, o samba não nasceu da noite para o dia, da grafia da pena de Donga.
Indo a fundo, esse ritmo é originário da fusão da tradição religiosa dos batuques afro-brasileiros, das modinhas dos saraus.
Também sofre influência do lundu dançado pelos escravos, do choro, do semba de roda da Bahia e também do maxixe nos salões.
Sem contar que, antes dessa música, algumas canções já eram denominadas como samba nos seus títulos. Entretanto, mais popularmente eram chamadas de samba de partido alto.
Por exemplo, uma música que já fazia referência ao gênero era “A Viola Está Magoada”. Era essa uma composição de Catulo da Paixão Cearense. Gravada por Bahiano e Júlia Martins com o acompanhamento do coral da Casa Edison.
Como dito por Guimarães Martins, biógrafo de Catulo da Paixão Cearense, A Viola está Magoada, de autoria deste, foi composta em 1912.
Por outro lado, outros afirmam, que o primeiro samba perpetuado em disco chamava-se “Em Casa da Baiana“, de Alfredo Carlos Brício (Pixinguinha). Estando datada sua aparição em 1911, como samba de partido alto e gravado pelo conjunto da Casa Faulhaber.
Porém, como nenhuma dessas canções obteve sucesso, passaram despercebidas.
E mais evidências se somam em contrário.
Ainda sobre esse tema, pesquisadores encontraram edições de uma canção chamada“ A Cabocla de Caxangá” com a designação de samba. Isso também foi gravado em edição anterior a 1917.
Mais recentemente, no ano 1972, o folclorista gaúcho Paixão Côrtes encontrou o catálogo de uma antiga gravadora gaúcha. Essa gravadora teria funcionado entre 1913 e 1914, onde nove músicas estão designadas como samba.
Reforçando o assunto, em 1974, o pesquisador Maurício Quadrio ganhou vários discos da Casa Edison. Desses três, continham o repertório da revista musical Avança e um trazia em sua etiqueta escrito “Um Samba na Penha”.
Fazendo coro a este, o historiador Miguel Ângelo de Azevedo manifesta-se dizendo ter em sua coleção particular discos da Odeon, com numeração anterior ao ano de 1916, também com a designação de samba.
Por outro lado, Donga é incisivo, declarando que registrou o “Pelo Telefone” com plena consciência de que era a primeira vez que esse aparecia um disco com a palavra samba. Mas com tantas evidências em contrário, já se pode dizer que não.
Mais Registros se Cumulam contrariando Donga.
Em seu ato de registrar a partitura da canção na Biblioteca Nacional, Donga ultrapassa os tradicionais limites da criação coletiva e anônima da música popular da época. Assume assim, a postura de “compositor moderno”, que assegura direitos e retorno financeiro sobre a composição.
Segundo os dados oficiais, o manuscrito para piano de “Pelo Telefone” é registrado na Biblioteca Nacional em 27 de novembro de 1916. Sendo que a primeira edição comercial surgiu em 16 de novembro de 1916.
Logo em seguida, são realizadas três gravações pela Casa Edison, baseadas nesses registros públicos. Dessas, a primeira e a terceira são apenas gravações instrumentais, realizadas pela Banda Odeon e a Banda do 1o Batalhão da Polícia da Bahia.
Por outro lado, a segunda gravação, interpretada por Baiano (Manuel Pedro dos Santos) e acompanhada somente de cavaquinho e violão.
Rapidamente, o disco de 78 rpm que chegou às poucas lojas musicais que haviam na época.
“Pelo Telefone”, Uma música com duas letras.
Curiosamente, se você já teve a oportunidade de ouvir esse samba, deve ter notado que tem duas letras. Existe uma que está na gravação original, em que o primeiro verso diz:
O chefe da folia / Pelo telefone / Manda me avisar / Que com alegria / Não se questione / Para se brincar.
E existem gravações posteriores que o primeiro verso diz:
O Chefe da Polícia / Pelo telefone / Manda-me avisar / Que na Carioca / Tem uma roleta / Para se jogar.
Donga, em depoimento no Museu da Imagem e do Som, diz que a letra original é a que está na primeira gravação. Por conseguinte, está registrada na biblioteca nacional.
O mesmo explica, que a versão que fala da roleta é uma paródia. Seria essa paródia fruto de uma brincadeira feita pelos editores do Jornal “A Noite”.
Por outro lado, em entrevista a Sérgio Cabral e Ary Vasconcelos, se contradiz afirmando que a letra foi mudada para evitar complicações com as autoridades.
Oras, Donga não era bobo, não iria querer produzir uma prova material que lhe pudesse lhe indispor com a polícia carioca.
Mas é consenso entre os pesquisadores, que a versão correta é a que fala da roleta. Essa era a versão que era cantada nas rodas de samba na casa de “Tia Ciata”.
O Jogo Ilegal e a Roleta da Carioca.
Curiosamente, essa versão faz referência ao combate ao jogo ilegal no Rio de Janeiro.
O fato que deu origem à versão que fala do Chefe da Polícia, se passa em 1913. Foi quando repórteres do jornal “A Noite” colocaram uma roleta no Largo da Carioca. Isso foi feito para com isso mostrar que o Chefe de Polícia fazia vista grossa à jogatina.
Esse fato se deu no dia 2 de maio, sendo que os repórteres instalaram uma roleta de papelão. Era nesse local onde ficava a redação do jornal.
Primordialmente, a ideia era mostrar como a polícia poderia ser benevolente com o jogo ilegal. Sendo que seu o delegado, Belizário Távora, chefe de polícia, não parecia muito interessado no combate ao jogo.
Quebrou o Cartaz e não fez mais nada.
Mesmo que, 0 comissário Sá, outro agente da lei, tenha espatifado a bengaladas, o letreiro com os dizeres “Roleta com 32 números, só ganha o freguês”. Era o que dizia um cartaz que os repórteres fizeram.
Apesar disso, os guardas não apreenderam o material e o chefe da corporação ainda recebeu o epíteto de “instituidor do jogo franco”.
Para surpresa de todos, esse título honorário foi publicado na legenda de uma das fotos que ilustrava a notícia.
Acredita-se que, são esses os fatos em que foi inspirada a parte da letra que fala da roleta.
O Outro Chefe de Polícia que Utiliza o Telefone.
Por outro lado, a parte do telefone foi inspirada em outro episódio, com outro chefe de polícia.
Isso se deu, por causa de uma confusão que rendeu até tiros dentro de um clube da Avenida Rio Branco.
Naquele tempo, Aurelino Leal, delegado de polícia, assinou um despacho, datado de 30 de outubro de 1916, no qual fazia uma recomendação estranha.
Por sua vez, continha um texto, em que ele aconselhava ao comissário a dar uma ligada “pelo telefone oficial” para informar qual o ofício da vez.
No dia seguinte, saiu estampado nas páginas do mesmo jornal. Não demorou muito, para o documento a levantar dúvidas pela cidade:
Analisando o caso, estaria o responsável pela polícia mandando um recado cifrado.
Teria esse, o intuito de avisar com antecedência possíveis diligências aos donos dos locais onde o jogo ocorria? Ou era só algo de praxe a ser feito?
Juntado os dois, temos: O chefe de polícia, pelo telefone manda me avisar, que na carioca tem uma roleta para se jogar.
A Consolidação do Samba no Cenário Nacional.
Voltando ao assunto, de toda a forma, foi a partir da atitude de Donga, que o samba começou a se consolidar como ritmo no cenário nacional.
Definitivamente, o samba sai do ambiente das rodas de batuque dos subúrbios cariocas, para ganhar o cenário nacional.
Posteriormente, passaria a ser o carro chefe do carnaval, com a criação das escolas de samba.
Na sequência, o samba, foi até usado como propaganda ideológica, durante o período populista do Estado Novo.
A relevância de “Pelo Telefone” para a História Nacional.
Analisando mais a fundo, sendo o primeiro samba ou não, “Pelo Telefone” é um registro de relevância maior na história do samba.
Certamente, nenhuma gravação editada anteriormente como samba chegou perto da popularidade que a música conquistou.
Sem dúvida, essa canção inicia, portanto, uma nova fase da produção musical no país, a ponto de se transformar em uma espécie de “mito fundador”.
Sabe-se também, que além do registro original de Baiano, gravaram a canção o próprio Donga com Zé da Zilda, Almirante, Pixinguinha, Mário Reis, Altamiro Carrilho, Joyce Moreno, Paulo Moura, Gilberto Gil, Beth Carvalho, Vó Maria (viúva de Donga). Em um período mais recente, gravaram também o grupo MPB4 e Martinho da Vila.
Infelizmente, Donga morreu em 1974, aos 84 anos, tendo composto 80 músicas e gravado cinco discos.
Curiosamente, no ano de 2002, Gilberto Gil gravou uma paródia chamada “Pela Internet”.
Também foi de uma brincadeira do Jornal A Noite, um fato que deu origem a outro personagem do carnaval carioca. Mas isso é assunto para outro programa.
Seja como for, “Pelo Telefone” permanece como um marco na história da música brasileira, não só pelo seu sucesso, mas por tudo o que representa: a transição do samba de um gênero marginalizado para o centro da cultura popular. E, mesmo com todas as controvérsias, Donga se eternizou na história como o nome associado à “invenção” do samba, deixando um legado que ecoa até os dias de hoje.
Se desejar, assista um podcast sobre o assunto.