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Quando Paul McCartney Cantou Chico Mendes

Paul McCartney não é exatamente o tipo de artista que sai por aí distribuindo homenagens em suas letras. Se você observar seu repertório, vasto e multigeracional, verá que a maioria de suas músicas orbita em torno do amor — platônico, romântico ou idealizado — com doses de introspecção, psicodelia e charme pop. Mas, às vezes, algo poderoso o toca de maneira mais profunda. Foi o caso de Chico Mendes, o ativista brasileiro que, mesmo à distância, conseguiu impactar o ex-Beatle a ponto de ser imortalizado em uma de suas canções.

Agora, pense nisso: inspirar uma música de Paul McCartney não é como ganhar um like de um artista famoso. É fazer parte de um legado que atravessa gerações e continentes. É ser reconhecido por alguém cujo trabalho moldou boa parte da cultura pop ocidental como a conhecemos.

Quem foi Chico Mendes — e por que ele foi parar em uma música?

Se você vive no Brasil e estudou minimamente a história recente do país, provavelmente conhece Chico Mendes. Mas vale recapitular para fins de contexto — e de SEO.

Francisco Alves Mendes Filho nasceu no Acre, em 1944, e tornou-se um dos maiores símbolos internacionais da luta ambientalista. Como seringueiro e sindicalista, ele foi uma figura-chave na resistência contra o desmatamento da Amazônia e a violência no campo promovida por fazendeiros e grileiros. Seu ativismo culminou na criação de reservas extrativistas e pressionou o governo brasileiro a proteger parte do bioma amazônico.

Infelizmente, essa luta custou caro. Chico Mendes foi assassinado em 22 de dezembro de 1988, aos 44 anos, em sua própria casa, por pistoleiros a mando de fazendeiros locais. A tragédia reverberou mundo afora, gerando indignação e comoção internacional.

A resposta de Paul McCartney: “How Many People”

Não demorou para que o assassinato de Mendes chegasse aos ouvidos de Paul McCartney. E o impacto foi tão profundo que, no ano seguinte, ele escreveu “How Many People”, lançada no álbum Flowers in the Dirt (1989), um disco que marcou o renascimento criativo de Paul após alguns anos de produções menos aclamadas.

A faixa é suave, mas contundente. Dentro de seu instrumental relativamente simples, McCartney tece uma crítica sobre a apatia da sociedade diante das injustiças ambientais e sociais. Em uma entrevista resgatada pelo blog Nanu, o músico explicou sua motivação:

“Fiquei impressionado com a luta de Chico Mendes pela Floresta Amazônica. E ele foi assassinado pela máfia local, sabe como é. Se existissem muitos, mas só alguns poucos estão dispostos a salvar o planeta. É tão absurdo, como uma coisa dessas acontece? Então eu pensei, o mínimo que eu posso fazer é mencionar isso em algum lugar, por isso dediquei a ele.”

A menção direta a Chico Mendes, ainda que breve, é poderosa. Em um momento da canção, Paul canta:

“And a friend of mine, in the Amazon / Had to take a stand / And he was shot, shot dead for speaking out”

Mesmo sem citar o nome, a referência é clara. A homenagem é sutil, mas carrega peso. McCartney não optou por uma canção panfletária. Em vez disso, usou seu espaço artístico para plantar uma dúvida, uma provocação: quantas pessoas ainda se importam?

O engajamento ambiental de Paul: retórica ou prática?

O envolvimento de McCartney com causas ambientais não parou por aí. Desde os anos 1970, ele e sua falecida esposa, Linda McCartney, são defensores do vegetarianismo e da preservação ambiental. Paul inclusive lançou campanhas pelo “Meat Free Monday” e já criticou governos que ameaçam biomas como o Ártico e a Amazônia.

A citação a Chico Mendes, portanto, não foi um capricho momentâneo. Foi uma extensão natural de sua postura pública. E convenhamos, vindo de alguém com acesso a qualquer tribuna do mundo, esse tipo de gesto ganha ainda mais significado.

O Brasil nos ouvidos de McCartney

Mas o caso de Chico Mendes não é a única conexão de Paul McCartney com o Brasil. Na verdade, o país parece ocupar um espaço especial no coração (e nos fones de ouvido) do músico.

Décadas depois, em 2018, Paul lançou o álbum Egypt Station, que trouxe uma faixa curiosa chamada “Back in Brazil”. A música, que mistura batidas dançantes com um groove sensual e misterioso, conta uma história fictícia passada em terras brasileiras.

Em entrevista resgatada pela Alpha FM, Paul explicou o processo de criação da música:

“Eu amo música brasileira. Adoro os ritmos. Não entendo as letras, mas gosto de muitos artistas brasileiros. (…) Eu estava no Brasil em turnê, num daqueles dias livres agradáveis onde não havia nada planejado e eu tinha um piano no quarto do hotel. Então, a partir de um riff, tive essa ideia. É apenas uma história imaginária de dois jovens brasileiros e é meio dançante, então eu queria colocar ritmos brasileiros e pegar essa energia.”

A faixa inclui até uma voz feminina que sussurra “ichiban”, uma palavra japonesa que significa “número um”. Isso, somado à percussão eletrônica e ao vocal com eco, cria uma colagem sonora que pode parecer kitsch, mas também revela a curiosidade quase juvenil de McCartney por novos sons. É pop, é Brasil, mas é Paul.

Um Beatle para chamar de nosso?

Não seria exagero dizer que o Brasil tem uma relação particularmente calorosa com Paul McCartney. Desde sua primeira vinda ao país, em 1990, o artista já se apresentou inúmeras vezes por aqui, quase sempre com ingressos esgotados e multidões emocionadas.

Seja no Maracanã, no Allianz Parque ou no Beira-Rio, os shows de Paul no Brasil costumam ser verdadeiras celebrações intergeracionais. Ele canta Beatles, Wings, hits solo e até arrisca um “obrigado” com sotaque britânico. O carinho é mútuo, e a reverência, quase religiosa.

A história de Chico Mendes e sua ligação com Paul McCartney é daquelas que merecem ser contadas, recontadas e lembradas com frequência. Em tempos em que o meio ambiente segue sendo tratado como moeda de troca política, é simbólico que um ícone da música mundial tenha usado sua arte para fazer ecoar o nome de um ativista amazônico.

Mais do que uma homenagem musical, “How Many People” é uma cápsula de memória. Uma lembrança de que a arte pode — e deve — ser usada como plataforma de engajamento. E quando essa arte vem de alguém como McCartney, o impacto é ainda maior.

Em um mundo que frequentemente silencia os que lutam, Paul fez o oposto: amplificou. E isso, meus amigos, é o tipo de legado que vale ouro — ou, neste caso, vale uma vida inteira de canções.