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Tim Maia e a Fascinante Fase Racional: A Transformação do Soul Brasileiro

Descubra a fascinante história de Tim Maia e sua “Fase Racional”, uma jornada espiritual que transformou sua música e sua vida.

No artigo de hoje vamos tentar descobrir, como o popular cantor, Tim Maia, fez parte de uma seita religiosa chamada cultura racional.

No ano de 1974, Tim Maia estava no auge de sua carreira. Pois vinha de uma sequência de três discos de grande sucesso. Mais repentinamente, resolveu botar tudo a perder às custas de uma aventura mística. Começa então a fase racional de Tim Maia.

Ele foi um dos maiores nomes da MPB em 1974. Sua carreira vinha da inércia de três discos de grande sucesso. Chegou mesmo a alcançar certa projeção internacional, devido a sonoridade marcante de seu trabalho. 

Ele misturava em sua música a batida do soul americano com a MPB. Esses álbuns fizeram com que seu sucesso aumentasse drasticamente nas paradas nacionais e alcançasse uma certa relevância internacional.

Para surpresa de seus fãs, de uma hora pra outra, passa a pregar uma vida regrada, sem consumo de álcool, drogas e carne vermelha. Também obriga seus músicos e familiares a usar branco, e manda pintarem seus instrumentos de branco. Dizia-se fazer parte de uma seita denominada, cultura racional.

O que mais intrigou as pessoas, é que isso surgiu de forma inesperada. Mas em se tratando de Tim Maia, dizem que as coisas acontecem mesmo de forma inesperada.

A partir desse momento, sua vida toma uma guinada, cheia de coisas boas e ruins.

O Contato Com a Obra de Manoel Jacintho Coelho.

Sebastião Rodrigues Maia, era o nome de Tim Maia. Entre outras coisas foi responsável pela fusão do funk e soul music com a música popular brasileira. Tudo isso, graças a uma estadia que passou nos Estados Unidos para assimilar a cultura americana.

O interesse de Tim Maia pela cultura racional, teria surgido quando o mesmo teve contato com o livro Universo em Desencanto. Seria essa a obra do médium Manoel Jacintho Coelho. Contam os seguidores de Manoel Jacintho, que o mesmo teria recebido esse conhecimento do racional superior. Seria o racional superior uma entidade suprema, comandada por inteligências alienígenas.

Antes da Fase Racional.

Depois de concluir seu terceiro disco em 1973, Tim Maia recebeu uma proposta vultosa da gravadora, a RCA. Então, Tim Maia, comunicou seu diretor, André Midani, da Polydor,  que havia recebido uma proposta da gravadora concorrente. 

A Polydor não pode cobrir a oferta da RCA, Tim Maia foi liberado para levar o seu trabalho para a RCA. Na RCA, teve total liberdade para produzir seu novo disco.

Grande parte do trabalho foi feito na SEROMA, a editora musical de Tim Maia. Como era de costume, o trabalho só iria para a gravadora quando as músicas já estivessem praticamente compostas.

Em 1974 começou a registrar as bases das canções. Como muitas canções ainda não tinham letra, começou a visitar seus amigos para negociar parcerias para o término das músicas.

Uma dessas pessoas foi Tibério Gaspar.

A Conversão durante uma visita a Tibério Gaspar.

Dizem que a suposta conversão de Tim Maia, ocorreu quando o mesmo visitava o amigo Tibério Gaspar.

Relatam as fontes, que os dois fizeram uso de um alucinógeno chamado mescalina. Mas isso não pode ser confirmado. O uso da mescalina no Brasil é coisa muito rara.

Para constar, Tibério Gaspar é autor de grandes sucessos, como Sá Marina e BR3.

Acredita-se que aproveitando-se da ausência do amigo, folheou o livro Universo em Desencanto. O amigo teve de se ausentar por um longo período e deixou o livro sobre uma mesa de centro.

Há relatos, que Tim Maia, leu toda a obra, o que parece difícil. Quando Tibério voltou, o mesmo foi questionado sobre o conteúdo da obra. 

Tibério explicou que seu pai participava daquela seita chamada cultura racional. Tim Maia saiu dali com o livro para melhor análise.

Dizem então que a doutrina contida no livro, cativou o cantor, que imediatamente passou a seguir seus ensinamentos.

Construindo A Fase Racional

Quando voltou de sua turnê em São Paulo, passou a trabalhar fortemente nas canções do novo álbum. Já no final de agosto o trabalho estava pronto. As bases melódicas das músicas foram mantidas. Todavia, as letras foram alteradas para se adaptarem a pregação da doutrina racional. 

Quando os executivos da gravadora RCA, souberam, resolveram interromper a gravação. Anteriormente, tinham dado total liberdade para Tim Maia, pois não faziam ideia do que estava acontecendo.

De todo modo, a gravadora, ao analisar o resultado do trabalho, alegou que não estava em condições de ser lançado comercialmente. 

Como o contrato previa que Tim Maia só receberia quando o trabalho fosse finalizado, o mesmo conseguiu convencer a RCA a ceder os fonogramas. Pois ainda não havia recebido nada e a gravadora não tinha o menor interesse em publicar aquilo.

A partir daí decidiu lançar seus discos de forma independente, o que continuou fazendo pelo resto de sua carreira. Criou um selo musical chamado Vitória Régia, pois a editora já existia, a SEROMA

A prensagem do disco foi feita na fábrica Tapecar e as capas em gráficas locais. Simples o processo, embora desorganizado.

A Criação da Música Independente no Brasil

Foi no mês de setembro de 1975, que Tim Maia rompeu com a doutrina Racional. Seu processo de conversão durou um pouco mais de um ano. Em se tratando de Tim Maia, pode-se dizer que foi muito.

Quando o próprio cantor, resolveu produzir e vender sua obra de forma independente. Nesse momento cria-se no Brasil, uma forma de trabalho que já era comum no exterior, a música independente.

Por isso rompeu com a gravadora e convenceu os executivos a lhe cederem os fonogramas de sua obra. Diga-se que isso não foi muito difícil, pois a gravadora já previa que seria um fracasso.

A vida de Tim Maia, vira um instrumento de divulgação da doutrina racional. Ao todo foram planejados três volumes dos álbuns racionais. Embora somente dois tenham sido gravados na época.

O primeiro álbum foi lançado no início de 1975. Ao invés de lançar um álbum duplo, Tim Maia, resolveu lançar dois discos separados. O intervalo de todas as músicas era intercalado com a frase Leia o Livro do Universo em Desencanto.

Conhecendo o  guru Manoel Jacintho Coelho.

Voltando a Tibério Gaspar, mediante a empolgação do amigo, o mesmo foi levado para conhecer o guru Manoel Jacintho Coelho. Na época, Manoel morava em Belford Roxo, no Rio de Janeiro

As ideias do culto foram passadas a ele tanto por meio dos livros quanto pelas palavras do próprio líder da doutrina, na sede da seita em Belford Roxo.

De forma intensa, Tim Maia, passa a tomar as palavras de Manoel como verdades absolutas.

Em 12 de agosto de 1974, fez um show no Teatro Bandeirantes, onde além de seus grandes sucessos, tocou a música “Que Beleza, Imunização Racional”. Era essa uma canção que falava sobre a natureza e teve sua letra adaptada para caber algumas palavras da doutrina racional. 

A Vida Regrada, Vivida Com Moderação e Alimentação Saudável.

De acordo com a doutrina racional, a única maneira de conseguir a imunização racional, é seguir os ensinamentos do livro Universo em Desencanto. Resumidamente, consistem em fazer sexo somente para procriação, não consumir carne vermelha, não usar drogas, fumo e nem álcool.

Os preceitos da seita foram aplicados até os membros da banda, sob pena de demissão. Não se sabe se todos seguiram as ordens.

Talvez, os músicos tenham feito de conta, somente para não contrariar Tim Maia. Pois o mesmo estava obcecado com as ideias da seita.

Segundo Serginho Trombone, um dos músicos que fazia parte da banda na época, o mesmo disse em entrevista ao Estadão: “Eu não sei se acreditávamos ou não, mas fazíamos o que ele queria. A gente estava tocando com o cara”. Tamanho era o prestígio de Tim Maia, que os músicos preferem embarcar na sua loucura do que deixar de tocar com ele.

Conhecendo a Obra Racional

Segundo seus membros, a cultura racional prega que viemos de outro planeta. Nós estamos exilados na terra, distantes de nosso lar. Vivemos aqui sujos, magnetizados, como em um vale de lágrimas.

Dizem eles que a única salvação é a imunização racional. Segundo a seita, a imunização só pode ser obtida com a leitura do livro e a prática dos preceitos nele contidos. Somente assim podemos nos purificar e ser resgatados pelos discos voadores e voltar ao nosso planeta de origem.

Vale salientar, que a leitura de toda a obra “O Universo em Desencanto” é muito difícil. Pois a mesma se compõe de mil (1000) volumes, sendo que é dela que veem a subsistência da seita. 

No Auge da Voz e do vigor físico.

Nesse período em que abandonou as drogas e álcool, a melhora na sua voz e vigor físico foram notáveis. Nos discos da fase racional, podemos ver Tim Maia no auge de sua voz e criatividade.

Segundo Nelson Motta, “Nesse período, ao abandonar as drogas e começar a se alimentar bem, o artista emagreceu e os reflexos em sua voz foram imediatos”, segundo Motta. Um fôlego e uma potência, uma clareza e uma riqueza de timbres que saltavam aos ouvidos. Estava cantando como nunca”.

Existe o relato de um episódio estranho. Quando Maia ficou “horas olhando fixamente para uma folha de papel em branco, conforme instruções do mestre, para ver a Luz Racional”. Depois de muito tempo, ele gritava “estou vendo um pinguinho! Estou vendo a Luz Racional!”.

O Fracasso de Sucesso e as Dificuldades Financeiras.

Seu primeiro álbum, Racional Volume 1, teve baixa vendagem e foi ignorado pela crítica. Como era de produção independente, não havia muitos lugares onde vender.

Como não tinha nenhum contrato de distribuição, a venda dos discos foi feita de forma amadora. Muitos eram deixados em consignação nas lojas de discos, ou vendidos durante os shows. 

Nessa fase os contratos para shows passaram a se tornar raros. Sendo que os poucos shows que fazia era para membros da seita.

O Rompimento com a Doutrina Racional.

Narra-se que acordou com vontade de beber e comer carne vermelha. Voltou ao seu apartamento na Barra da Tijuca e ao seu estilo de vida anterior.

Mas acredita-se que tenha se decepcionado com alguma coisa que viu. Provavelmente por atos de incoerência do seu guru, Manoel Jacintho.

Os Discos Racionais se tornam raridades

Ao romper com a doutrina racional, Tim Maia manda recolher e destruir todos os disco da fase racional.

Isso fez com que esses discos de vinil se tornem raridades. Hoje são disputados pelos fãs e vendidos a peso de ouro. 

Os relançamentos dos álbuns da fase racional

A partir dos anos 90, começou no Brasil, um movimento pelo resgate da cultura negra. Então houve forte pressão junto à gravadora para que esse trabalho fosse relançado.

Pois esses trabalhos são considerados o auge da carreira de Tim Maia. Tanto em sua técnica vocal como nos arranjos sonoros.

Sendo em 2006, foram lançados em forma de CD, inclusive com uma terceira edição com músicas inéditas.

A gravadora conseguiu entrar em um acordo com os detentores da obra. Foram feitos até videoclipes, selecionados em um concurso para universitários.Em 2019, os álbuns da fase racional foram disponibilizados na plataforma de stream, Spotify. Isso foi iniciativa de seu filho, Carmelo Maia.

Tim Maia não foi o primeiro e nem o último famoso a ser seduzido pelas palavras de um Guru ou Seita. O caso mais emblemático é o dos Beatles. Por outro lado, seu trabalho tem muita qualidade. As faixas “Que Beleza “e “Bom Senso”valem a pena serem ouvidas. 

Se preferir, ouça um podcast sobre o assunto:


Você pode saber mais sobre essa fase de Tim Maia nas seguintes fontes:

Vale Tudo, Livro de Nelson Motta (2014) 

Tim Maia’s Tim Maia Racional Vols. 1 & 2 (33 1/3 Brazil) (English Edition), Allen Thayer (2018).

Nobody Can Live Forever: The Existential Soul (Importado/Discos), Tim Maia 

Universo em Desencanto – 1 Volume da Obra (1982) 

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