Zeca Baleiro não é só mais um nome da música popular brasileira — ele é, com o perdão do trocadilho inevitável, uma entidade sonora. José Ribamar Coelho Santos, o homem por trás do pseudônimo, é um dos mais prolíficos e originais letristas da nossa música, navegando entre o lirismo cortante e a ironia debochada com uma fluidez que poucos conseguem. E como o cara acabou de completar 59 anos, a hora é mais que perfeita pra revisitar a genialidade das suas letras mais marcantes.
Desde que surgiu em 1997 com o álbum Por Onde Andará Stephen Fry?, Baleiro tem nos servido uma fusão irresistível de pop rock, samba, baião e uma dose generosa de humor ácido. Sua lírica atravessa temas como amor, política, espiritualidade, cotidiano e cultura pop, sempre com um olhar crítico e sensível. É como se Caetano Veloso, Belchior e Tom Zé tivessem tomado um chá de cogumelo e entrado num karaokê existencial.
Um mestre da palavra e da provocação
Zeca Baleiro é aquele artista que te faz rir e chorar com um mesmo verso. Ele pode escrever uma canção sobre o amor mais puro e, na faixa seguinte, zombar da elite gourmet com versos cheios de trocadilhos. Essa habilidade de transitar entre o sublime e o sarcástico é o que o torna tão único. Ele é capaz de transformar temas aparentemente banais em poesia, como em “Telegrama”, e ao mesmo tempo criar alegorias poderosas sobre fé e caos, como em “Heavy Metal do Senhor”.
Não é à toa que suas composições são gravadas por artistas de diversos estilos e gerações. Se você cavar nos encartes dos discos de MPB, pop e até rock nacional, vai encontrar o nome dele por lá. E como presente de aniversário ao mestre maranhense, preparamos uma seleção com as 10 melhores letras escritas por Zeca Baleiro, celebrando sua versatilidade e inventividade.
10. “Babylon” (2000)
Essa letra é um grito existencial urbano. Baleiro desnuda o colapso financeiro e emocional de quem tenta viver num mundo onde tudo custa — até a paz interior. “Cansei de ser duro, vou botar minha alma à venda” é uma das linhas mais fortes do disco Líricas, que tem sua veia poética aflorada.
9. “Mamãe Oxum” (1997)
Uma homenagem às religiões de matriz africana, “Mamãe Oxum” é lirismo em estado bruto. A musicalidade da letra se entrelaça com as imagens poéticas: flores, rios, marés e espiritualidade, criando uma aura de encantamento quase ritualístico.
8. “Bienal” (1999)
Ironia fina é a alma dessa música. Zeca critica o intelectualismo vazio e a arte conceitual elitista com humor afiado. A letra é quase uma crônica de um Brasil que tenta ser “moderno” demais pra entender a própria cultura.
7. “Quase Nada” (2000)
Aqui, Baleiro entrega uma das suas baladas mais sensíveis. Uma canção sobre os amores que surgem do nada e nos pegam desprevenidos. Com versos simples e emocionantes, “Quase Nada” mostra que às vezes o mistério é mais poético do que a resposta.
6. “Flor da Pele” (1997)
Um hino para todos que sentem demais. “Flor da Pele” é visceral, carregada de emoção e fragilidade. Cada verso parece saído de um diário íntimo. Essa é daquelas que escorrem lágrima e deixam nó na garganta.
5. “Samba do Approach” (1999)
Uma das críticas mais mordazes — e engraçadas — ao consumismo e à pasteurização da cultura. A letra satiriza a galera “cult” e “cool” que troca essência por estética. “Venha provar meu brunch, saiba que eu tenho approach” é praticamente um manifesto contra o vazio da ostentação.
4. “Bandeira” (1997)
Com referências visuais poderosas e um ritmo poético preciso, essa canção é uma denúncia ao ódio e à intolerância, mas feita com lirismo. Um apelo por sensibilidade em meio ao caos. Uma das faixas mais politicamente poéticas de sua discografia.
3. “Telegrama” (2002)
Otimismo sincero, quase ingênuo — mas no bom sentido. “Telegrama” é uma daquelas músicas que colocam um sorriso no rosto de qualquer um. A forma como ele brinca com rimas e imagens cotidianas transforma essa faixa num clássico instantâneo da MPB dos anos 2000.
2. “Heavy Metal do Senhor” (1997)
Aqui, Baleiro transcende gêneros e cria uma das alegorias mais criativas já feitas na música brasileira. Deus, o Diabo, anjos e santos são transformados em personagens de um épico musical onde o paraíso e o inferno se encontram num palco imaginário. É pura genialidade.
1. “Lenha” (1999)
A grande campeã. Uma música de amor nada convencional, carregada de ambiguidades e simbolismos. “Você traz a lenha pro meu fogo acender” é uma metáfora poderosa para os desejos, as dúvidas e as labaredas emocionais que nos consomem quando o amor entra em cena.
Zeca Baleiro: um artista que merece ser mais ouvido (e lido)
Não importa se você é fã da primeira hora ou conheceu o Zeca ontem num rolê de YouTube aleatório: vale a pena se aprofundar na obra desse compositor que transforma a língua portuguesa em uma paleta infinita de cores e sons. Ele é daqueles que fazem a palavra dançar.
Enquanto muitos artistas buscam hits fáceis, Baleiro aposta na densidade lírica, na crítica social e na musicalidade rica. E mesmo assim, consegue ser pop, radiofônico, acessível. O cara faz samba com pegada de indie rock e baião com cara de trilha sonora de filme cult. Isso é talento puro.