Os anos 90 foram uma explosão sonora. Não apenas uma década — mas uma experiência estética. Foi o período em que o grunge tomou as rádios de assalto, o hip hop firmou sua voz como a nova poesia urbana, o pop se reinventou com a ajuda de divas e boybands, e a música eletrônica começou a flertar com o mainstream. Entre o boom comercial e a inquietação criativa, muitas faixas acabaram soterradas sob o peso dos mega hits que dominaram as paradas.
É aí que a mágica do tempo entra em cena: revisitamos o passado com ouvidos mais maduros, menos influenciados pelas tendências da época e mais interessados naquilo que, de fato, resiste. E resistir, convenhamos, nem sempre significa ter estourado nas rádios.
Foi com esse espírito que o portal Ranker propôs uma tarefa simples, porém valiosa: deixar que os fãs da música votassem em quais músicas dos anos 90 mereciam mais reconhecimento do que receberam. O resultado? Uma seleção que reflete a diversidade da década e, acima de tudo, destaca como a produção feminina brilhou — mesmo nas sombras do esquecimento.
Vamos explorar esse Top 10 com uma lupa crítica, contextualizando o impacto de cada faixa e entendendo por que, apesar de não estarem no panteão pop dos maiores hits, elas merecem uma nova chance nas nossas playlists.
10.
Liz Phair – “Supernova”
Lançada em 1994, “Supernova” é um hino indie com letras viscerais e uma atitude deliciosamente desafiadora. Liz Phair é, sem sombra de dúvida, uma das compositoras mais influentes da década, mesmo que sua fama tenha ficado aquém do merecido. “Supernova” mistura vulnerabilidade e poder de uma forma que antecipou boa parte da estética lo-fi emocional que veríamos mais tarde no indie dos anos 2000.
9.
702 – “Where My Girls At”
Em meio ao tsunami de boy bands e divas pop, o R&B noventista também teve seus momentos de glória. Mas o trio feminino 702 raramente é lembrado, mesmo com essa faixa poderosa, produzida por Missy Elliott. “Where My Girls At” é empoderadora, dançante e perfeitamente sintonizada com o espírito da virada do milênio. Um verdadeiro tesouro do R&B feminino.
8.
Björk – “Big Time Sensuality”
Sim, Björk. Uma das artistas mais cultuadas da história da música alternativa… e mesmo assim, “Big Time Sensuality” é frequentemente esquecida quando falamos de seus grandes momentos. A faixa, lançada em 1993, é uma combinação singular de vulnerabilidade e liberdade artística. Ela representa o início da Björk mais dançante, eletrônica e ousada — muito antes de suas experimentações mais cerebrais dos anos 2000.
7.
Mandy Moore – “Candy”
Antes de ser reconhecida como atriz séria, Mandy Moore era a alternativa “fofa” às então poderosas Britney e Christina. “Candy” pode parecer superficial à primeira audição, mas seu charme chiclete e produção eletrônica polida fazem dela um retrato fiel do pop adolescente do final da década. É a trilha sonora perfeita de uma adolescência pré-smartphone, com glitter nos olhos e pager na cintura.
6.
Melanie C – “Never Be The Same Again”
Muitos subestimaram as Spice Girls após sua separação, mas Melanie C provou ser muito mais que um rostinho bonito com “Never Be The Same Again”. A colaboração com Lisa “Left Eye” Lopes (TLC) trouxe uma fusão inteligente de R&B e pop eletrônico. É uma faixa emocionalmente carregada, que fala de transformação e amadurecimento — temas que escapavam da superficialidade que o pop feminino era acusado de reproduzir.
5.
Queensrÿche – “Silent Lucidity”
Lançada em 1990, essa balada prog-metal tem ares de Pink Floyd e alma de poesia noturna. “Silent Lucidity” é a definição de grandiosidade introspectiva. Ao misturar orquestrações com guitarras etéreas, a banda produziu uma obra-prima que fala sobre sonhos lúcidos e reconciliação interior. E por que foi esquecida? Talvez por ter sido “muito sofisticada” para o ouvinte médio de FM.
4.
L7 – “Pretend We’re Dead”
Aqui temos uma faixa que desafia o machismo estrutural do rock com a força de um rolo compressor. L7 foi pioneira no movimento riot grrrl, e “Pretend We’re Dead” carrega sarcasmo, frustração e guitarras pesadas em medidas iguais. Ainda que muitas bandas masculinas tenham sido glorificadas por menos, o legado das mulheres no grunge e no punk segue sendo redescoberto — felizmente.
3.
Real McCoy – “Another Night”
Se o eurodance é uma cápsula do tempo sonora, “Another Night” é sua cápsula mais reluzente. Real McCoy pode parecer datado para os padrões atuais, mas esta faixa captura a vibe clubber dos anos 90 como poucas. É impossível não ser transportado para as pistas iluminadas de neon e para os programas de clipes da MTV quando essa música toca.
2.
CeCe Peniston – “Finally”
Antes que Beyoncé e Lizzo proclamassem o amor próprio em alto e bom som, CeCe Peniston já fazia isso nos anos 90. “Finally” é pura celebração de identidade e empoderamento, embalada em batidas house que ainda soam frescas. A música é um verdadeiro hino LGBTQ+ e um marco da cena clubber norte-americana. E, sinceramente, por que ela não é mencionada com o mesmo entusiasmo que outros clássicos do pop dançante?
1.
The Cardigans – “Lovefool”
Sim, “Lovefool” foi um hit. Mas o que muitos não percebem é o quão complexa ela é sob a superfície pop açucarada. A canção ironiza o amor não correspondido, colocando uma máscara de fofura sobre um lirismo melancólico e resignado. A performance suave de Nina Persson é de uma precisão quase cruel, e a produção engenhosa torna esta faixa uma joia pop pós-moderna.
Por que revisitamos o que foi esquecido?
O tempo é o maior crítico musical. Ele reordena o que valorizamos, ilumina aquilo que o hype eclipsou e dá voz ao que foi silenciado. Revisitar essas faixas é mais do que um exercício de nostalgia — é uma correção de rota na história da música pop.
A seleção feita pelos usuários do Ranker é um lembrete poderoso: nem tudo o que brilha nas paradas é ouro, e muito do ouro verdadeiro fica escondido sob a poeira do tempo e da indiferença da indústria.
Que essa lista sirva como ponto de partida. Reescute essas músicas com ouvidos atentos. Analise os arranjos, as letras, o contexto. E, quem sabe, encontre nelas um novo amor musical — desses que chegam sem aviso, mas ficam pra sempre.