Argonautha – Música e Cultura Pop

A banda esquecida que abriu caminho para o rock dos anos 80

O rock brasileiro dos anos 1980 é amplamente celebrado como uma das eras mais vibrantes da música nacional. Nomes como Blitz, Paralamas do Sucesso, Titãs e Legião Urbana são frequentemente mencionados como os pilares desse movimento. No entanto, a construção dessa cena teve muitos outros protagonistas que, por uma série de fatores – do revisionismo histórico à seletividade da mídia –, acabaram relegados a um papel secundário. Entre essas bandas está o Rádio Táxi, um grupo que merece muito mais reconhecimento por seu papel essencial na consolidação do pop rock nacional.

O esquecimento injusto e a questão do pioneirismo

Há um consenso generalizado de que a Gang 90 & As Absurdettes foi uma das primeiras bandas desse movimento, mas, se a questão é cronológica, a Rádio Táxi pode reivindicar um espaço ainda maior nessa narrativa. Enquanto “Essa Tal de Gang 90 & As Absurdettes” foi lançado em 1983, o debut autointitulado da Rádio Táxi já estava nas lojas em 1982 – o mesmo ano do disco de estreia da Blitz, “As Aventuras da Blitz 1”. O fato de a Rádio Táxi ter lançado seu material ao mesmo tempo que a Blitz e antes de outros grandes nomes já deveria ser suficiente para colocá-los em uma posição de maior destaque nessa história.

Lee Marcucci, baixista da banda, vocalizou essa frustração em entrevista ao podcast Corredor 5, apontando como o grupo ajudou a abrir caminho para o movimento:

“Tem várias bandas boas, e eu fico até meio chateado às vezes, porque o Rádio Táxi foi uma das bandas que abriu espaço para todas essas bandas na década de 80, como Blitz e Paralamas. E ninguém fala nisso. Não sei se é um preconceito, não sei o que é, mas não foi nada disso. Acho que é porque nós somos de São Paulo e o movimento começou no Rio. O Rádio Táxi é que abriu para todas essas bandas nos anos 80. Fico meio chateado com isso, não sei por que ninguém fala. O Rádio Táxi abriu para todo mundo na década de 80 e ninguém fala nisso.”

Esse sentimento de marginalização, aliás, não é isolado. A história do rock nacional frequentemente privilegia certas narrativas em detrimento de outras, e, muitas vezes, fatores como localização geográfica, conexões dentro da indústria e estilo musical acabam determinando quem recebe os holofotes.

O impacto sonoro e estético do Rádio Táxi

Formado em 1981, o Rádio Táxi surgiu de um grupo de músicos já experientes, incluindo ex-integrantes do Tutti Frutti, banda que acompanhava Rita Lee. A formação original contava com Wander Taffo, Lee Marcucci, Gel Fernandes e Willie de Oliveira nos vocais, e sua sonoridade transitava entre o rock, o pop e até elementos do progressivo. O nome da banda foi uma sugestão de Nelson Motta, o que por si só já demonstra o nível de envolvimento do grupo com a nata da música brasileira da época.

Musicalmente, a Rádio Táxi explorava uma abordagem sofisticada, apostando em melodias bem trabalhadas e arranjos que uniam a energia do rock à acessibilidade do pop. Seu primeiro grande sucesso, “Garota Dourada”, fez parte da trilha sonora do filme “Menino do Rio”, o que ajudou a dar visibilidade nacional ao grupo. Outros hits, como “Coisas de Casal” e “Sanduíche de Coração”, entraram em trilhas de novelas, consolidando a banda no imaginário popular.

Mas foi Eva que realmente garantiu à Rádio Táxi um lugar definitivo na cultura pop brasileira. A música, que anos depois ganharia uma versão ainda mais famosa com Ivete Sangalo, tornou-se um hino atemporal, atravessando décadas com sua melodia envolvente e letra marcante.

Por que o Rádio Táxi ficou de fora da narrativa principal do rock brasileiro?

Apesar do sucesso e da relevância histórica, o Rádio Táxi nunca recebeu o mesmo status de outras bandas contemporâneas. Há algumas razões para isso:

  1. A geografia da cena musical – Como Marcucci apontou, a cena do rock dos anos 80 foi fortemente associada ao Rio de Janeiro, onde estavam gravadoras, jornalistas e um público mais aberto a esse tipo de som. Bandas paulistas frequentemente enfrentam maior dificuldade para se firmar no mainstream nacional.
  2. O viés da mídia musical – A crítica musical da época costumava privilegiar bandas que tinham uma estética mais “alternativa” ou que seguiam um discurso mais politizado. O Rádio Táxi, com sua abordagem mais acessível e radiofônica, não se encaixava perfeitamente nessa narrativa.
  3. O pop como barreira para o reconhecimento rockeiro – O Rádio Táxi nunca foi uma banda estritamente rock, flertando constantemente com o pop. Isso fez com que, muitas vezes, fossem vistos como um grupo mais voltado para o mercado comercial do que para a “rebeldia” do rock oitentista.

O legado e o retorno

Depois de algumas mudanças na formação e um período de inatividade, o Rádio Táxi voltou à cena nos anos 2000, com Wander Taffo assumindo a guitarra antes de seu falecimento em 2008. Em 2019, a banda se reuniu para uma turnê nostálgica e, em 2021, Betto Luck assumiu os vocais, dando continuidade ao legado da banda.

Seja por falta de reconhecimento da mídia, seja por uma questão de percepção estética, o fato é que o Rádio Táxi foi fundamental na construção do cenário do rock nacional dos anos 80. Se a história da música brasileira fosse contada com um olhar mais justo e abrangente, a banda certamente ocuparia um espaço maior nesse panteão.

O reconhecimento pode ter demorado, mas a relevância da Rádio Táxi segue firme. Quem sabe, um dia, a história do rock nacional será contada da maneira que merece – e, quando isso acontecer, o Rádio Táxi estará lá, no lugar que sempre deveria ter ocupado.