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A Fascinante História de “Capim Guiné”: Do Sertão à Iconicidade Musical

Descubra a história de 'Capim Guiné', a canção de Raul Seixas que mistura crítica social e sertaneja, e seu impacto na música brasileira

“Capim Guiné”, uma das canções mais emblemáticas de Raul Seixas, não é apenas uma música, mas uma verdadeira narrativa de crítica social e reinvenção musical. Lançada em 1983 no disco O Baú do Raul, a música é um exemplo brilhante da capacidade de Raul de transformar uma história local em uma poderosa declaração artística. Para entender o impacto e a profundidade desta canção, é essencial mergulhar na sua origem e nos eventos que levaram à sua criação.

A história por trás de “Capim Guiné” começa no final dos anos 70, quando a canção foi originalmente escrita. Wilson Aragão, o autor da música, criou uma composição repleta de metáforas que abordam o roubo de terras e criticam o governo militar da época. Essa crítica social não apenas reflete a situação política brasileira, mas também a luta pessoal de Aragão contra as injustiças que seu pai enfrentou.

Aragão, natural de Piritiba, uma pequena cidade no interior da Bahia, viu sua vida mudar drasticamente devido à grilagem de terras — a prática de tomar posse de propriedades de forma ilegal. Sua canção, “Capim Guiné”, é um lamento sobre essas injustiças, representando um grito de protesto contra o sistema que esmagava os mais vulneráveis.

O Encontro de Raul Seixas com “Capim Guiné”

A conexão de Raul Seixas com “Capim Guiné” é uma história fascinante por si só. Em meados dos anos 80, Raul, que estava se recuperando de uma cirurgia no pâncreas, decidiu passar um tempo no interior da Bahia, especificamente em Piritiba. Durante sua estadia, Raul conheceu Beto Sodré, um local que, além de ser pai de uma participante do Big Brother Brasil de 2019, era um entusiasta da música e da cultura local.

Sodré levou Raul a uma pequena festa local onde a música “Capim Guiné” estava sendo tocada por jovens da cidade. Raul, que estava em busca de uma conexão mais profunda com a música sertaneja e nordestina, imediatamente se encantou com a canção. A melodia e a letra de “Capim Guiné” capturaram a essência do sertão, e Raul sentiu um impulso irresistível de incorporar essa música ao seu repertório.

O Impacto da Canção e as Mudanças

A adaptação de “Capim Guiné” por Raul Seixas não foi um simples processo de reprodução. O cantor e compositor fez várias modificações na letra original para melhor se adequar ao seu estilo e ao contexto musical da época. Entre as mudanças mais notáveis, Raul substituiu referências específicas à terra natal de Aragão por menções a Piritiba, uma forma de homenagear e destacar a cidade que o inspirou.

Além disso, alguns versos foram ajustados para refletir a visão pessoal de Raul sobre as injustiças sociais e políticas. Por exemplo, a letra original mencionava o plantio de frutas e vegetais como símbolo de trabalho árduo e perseverança. Raul manteve esse simbolismo, mas ajustou algumas referências para fazer uma crítica mais direta ao sistema político da época.

A letra de “Capim Guiné” é um reflexo profundo da realidade social e política do Brasil da época. Ela usa metáforas relacionadas à fauna e flora do sertão para descrever a exploração e a injustiça. A “sussuarana”, por exemplo, simboliza a crueldade dos grileiros, enquanto a “raposa” e o “sagui” representam os diversos predadores que, na visão de Aragão, contribuem para a opressão dos mais pobres.

Em um dos versos mais poderosos, o refrão critica diretamente aqueles que se beneficiam do trabalho alheio sem contribuir. “Não planta o Capim Guiné para boi e a banana rabo” é uma frase que expressa a frustração de Aragão com aqueles que, como os grileiros e políticos corruptos, se aproveitam dos recursos e esforços dos outros sem realizar nenhum trabalho significativo.

A menção ao Presidente Ernesto Geisel no refrão é um exemplo claro da crítica política implícita na canção. Geisel, que governava o Brasil na época da ditadura militar, é retratado como alguém que, ao contrário do que deveria, ignorava as necessidades e as queixas dos cidadãos comuns. A expressão “cara de que viu caxinguelê” sugere uma postura de indiferença e desdém para com os problemas enfrentados pelo povo.

O Legado e a Recepção

O impacto de “Capim Guiné” foi imediato e profundo. A canção não apenas se tornou um sucesso comercial, mas também estabeleceu um novo padrão para a crítica social dentro da música popular brasileira. Raul Seixas, com sua interpretação e adaptação, conseguiu capturar a essência da mensagem de Aragão enquanto a apresentava a um público mais amplo.

No entanto, o sucesso de “Capim Guiné” trouxe suas próprias complicações. Wilson Aragão, o autor original da canção, viu sua vida mudar de maneira drástica após o lançamento. Embora a exposição tenha dado a ele uma plataforma para compartilhar sua história e suas experiências, também trouxe desafios financeiros e pessoais, evidenciando a complexidade do sucesso no mundo da música.

“Capim Guiné” é mais do que uma canção; é um testemunho da luta por justiça e da força da música como veículo de expressão política e social. A história de sua criação e adaptação por Raul Seixas revela a interseção entre arte e ativismo, mostrando como uma simples melodia pode se transformar em um poderoso grito de resistência. A trajetória de “Capim Guiné” reflete a capacidade única da música de transcender fronteiras e de fazer ecoar as vozes daqueles que, muitas vezes, são silenciados.

Para aprofundar ainda mais o conhecimento sobre a canção e suas origens, recomendo consultar os livros e teses mencionados, como “Raul Seixas por trás das canções” de Carlos Minuano e a tese de doutorado de Lucas Tomás de Souza na USP, disponíveis nas descrições dos links associados a esta análise.

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