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A Fascinante Jornada de “Cowboy Fora da Lei” de Raul Seixas: Da Anarquilópolis ao Disco de Ouro

 

Este clássico brasileiro, que hoje ressoa como um marco do rock nacional, passou por um longo e tortuoso processo de desenvolvimento. 

A história por trás de “Cowboy Fora da Lei” não é apenas um conto de criatividade musical, mas também uma narrativa de perseverança e inovação artística.

O Início da Jornada: A Conceituação de “Cowboy Fora da Lei”

O conceito inicial de “Cowboy Fora da Lei” surgiu em 1973, quando Raul Seixas teve a ideia de criar uma música com uma forte influência country. 

Este desejo de explorar o gênero americano se reflete na pegada característica da canção final. No entanto, o caminho até a versão que conhecemos não foi simples nem direto.

Antes de se tornar o “Cowboy Fora da Lei”, a música passou por várias transformações. Uma versão anterior, intitulada “Anarquilópolis”, foi composta em parceria com o letrista Silvio Passos

Este projeto teve início em 1981, quando Silvio, determinado a colaborar com Raul, fez até mesmo um anúncio em jornal para conseguir o contato do cantor. 

A história é curiosa: na primeira tentativa de contato, Silvio foi confundido com Silvio Santos, tal era a urgência de sua busca e o impacto da sua voz na indústria.

A Gênese de “Anarkilópolis” e o Contexto Político

A colaboração entre Raul Seixas e Sylvio Passos resultou em “Anarquilópolis”, uma música que refletia o contexto político do Brasil na década de 1980

O próprio Sílvio relata: “ Quando Raul me convidou para fazer Anarkilopolis

(Cowboy Fora da Lei) em 1984 me apresentou um caderninho espiral com a letra

de COWBOY 73. Não me recordo da letra, mas lembro-me muito bem que a

única parte que ele queria aproveitar da letra era o refrão que era

assim: Eu não sou besta pra tirar onda de herói, Sou vacinado, sou cowboy, Cowboy 73” 

Na época, o país estava em uma transição política significativa, com o governo do General João Batista Figueiredo negociando a devolução do poder aos civis. 

O movimento Diretas Já, que ganhou força entre 1983 e 1984, demandava eleições diretas para presidente, um anseio que ainda não havia sido atendido.

“Anarquilópolis” foi concebida como uma crítica e uma sátira à situação política do momento. 

A letra descrevia um cenário fictício, em que o protagonista recebe uma carta da prefeitura de uma cidade chamada Anarkilópolis, que havia recentemente conquistado sua emancipação. Ao chegar, ele se depara com um ambiente caótico e perigoso, uma metáfora para a sensação de desilusão com a situação política do país.

Da Anarkilópolis ao Cowboy Fora da Lei: A Transformação Musical

Embora “Anarkilópolis” tenha refletido um momento crucial da política brasileira, a música não se encaixava no contexto do discoMetrô Linha 743”, que Raul estava preparando na época. 

A gravadora criticou a versão final da canção, alegando que Raul havia gravado em condições impróprias. Como resultado, “Anarkilópolis” foi deixada de lado e só veio a ser lançada postumamente em 2003.

No entanto, Raul Seixas não abandonou a ideia. Em 1986, ele decidiu reformular a canção, colaborando com o músico Cláudio Roberto para transformar “Anarkilópolis” em “Cowboy Fora da Lei”. 

Essa nova versão foi finalmente incluída no álbum “O Baú do Raul”, lançado no início de 1987. A nova roupagem manteve a influência country, incorporando banjo e guitarra steel para capturar a essência do estilo.

A Atualização e o Impacto Cultural

A atualização de “Anarkilópolis” para “Cowboy Fora da Lei” envolve mais do que uma simples mudança de título. A letra foi ajustada para refletir a nova realidade política do Brasil em 1986, um período que viu a eleição direta para prefeitos em várias cidades e o início de um processo de democratização. 

A inclusão de um verso que mencionava o desejo de não ser prefeito, uma referência ao fato de que figuras como Xuxa, Pelé e Raul Seixas foram citados como candidatos preferidos na eleição municipal de São Paulo de 1985, adicionou uma camada de ironia e comentário social à canção.

O Refrão e a Figura do Anti-Herói

O refrão de “Cowboy Fora da Lei”, com seu icônico “Eu não sou besta pra tirar onda de herói”, reflete uma atitude crítica em relação à mudança política que estava ocorrendo. 

A figura do Durango Kid, um personagem de faroeste americano que foi adaptado de um filme para uma série e depois para uma revista em quadrinhos, simboliza o anti-herói. Raul Seixas se posiciona como um “Cowboy Fora da Lei”, recusando a se conformar com o papel de herói ou porta-voz da nova era política.

A Controvérsia em Torno de Tancredo Neves e a Visão de Raul

Durante a produção da canção, Raul Seixas e Silvio Passos também lidaram com a controversa questão da morte de Tancredo Neves. 

Tancredo, candidato do PMDB à eleição indireta de 1984, foi eleito presidente, mas faleceu antes de tomar posse. Raul, em uma entrevista de 1987, mencionou sua suspeita de que Tancredo poderia ter sido assassinado, uma ideia que ecoava o clima de desconfiança da época. 

A referência a Tancredo, Martin Luther King, e Gandhi na letra sublinha a ideia de martírio e sacrifício, refletindo a visão de Raul sobre os eventos políticos e sociais.

Legado e Impacto

“Cowboy Fora da Lei” não apenas conquistou o público com seu estilo único e letras provocativas, mas também deixou um legado significativo na música brasileira

A canção ganhou um videoclipe memorável no programa “Fantástico” e, ao longo dos anos, contribuiu para o reconhecimento de Raul Seixas como um dos ícones do rock nacional

O disco “O Baú do Raul” também recebeu um disco de ouro, marcando um momento importante na carreira de Seixas.

Em conclusão, a história de “Cowboy Fora da Lei” é um testemunho da capacidade de Raul Seixas de transformar desafios e mudanças pessoais e políticas em arte inovadora e relevante. 

A trajetória da música, desde sua concepção inicial como “Anarkilópolis” até sua versão final, reflete não apenas o processo criativo de um dos maiores músicos brasileiros, mas também o contexto tumultuado e em transformação do Brasil das décadas de 1970 e 1980.

A rica tapeçaria de eventos que cercam “Cowboy Fora da Lei” oferece uma visão fascinante sobre o mundo de Raul Seixas e o cenário político e cultural do Brasil na época. 

Com suas letras provocativas e seu estilo inconfundível, Raul Seixas continua a inspirar e a provocar reflexão, provando que, mesmo em tempos de mudança, a música tem o poder de capturar a essência da condição humana e da sociedade.