A história por trás de “Metamorfose Ambulante,” uma das canções mais icônicas de Raul Seixas, é tão rica e intrigante quanto sua própria letra.
Raul, que compôs a música ainda na juventude, conseguiu capturar uma essência filosófica que ressoa até os dias de hoje.
Antes de explorarmos a fundo a história dessa canção, vale mencionar a contribuição de Wilson Aragão, um dos compositores de “Capim Guiné.”
A ficha técnica de “Metamorfose Ambulante”.
Raul Seixas não apenas escreveu a letra, mas também tocou vários instrumentos na gravação.
Ele tocou violão de aço, viola de 12 cordas e até fez um solo de guitarra no fim da música.
Jay Vaquer, que na época assinava como Gay Vaquer, tocou a guitarra slide no início da canção.
Outros músicos incluíam Pedrinho na bateria, Paulo César Barros no baixo, Luiz Paulo no sintetizador e Miguel Cidreira no piano.
O coro, feito pelas Apocalipse Girls, era um mistério criado por Raul e Paulo Coelho para gerar curiosidade, já que esse grupo não existia realmente.
A Inspiração e o Processo Criativo
A letra de “Metamorfose Ambulante” é um reflexo da filosofia de vida de Raul Seixas, que desde jovem se interessava por temas profundos e introspectivos.
O verso “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo” foi escrito por Raul ainda na adolescência.
Em uma entrevista à revista Amiga em 1982, Raul contou que rabiscou esse verso na parede de seu quarto quando tinha apenas 12 ou 13 anos.
Esse detalhe é reproduzido no livro “Raul Seixas por ele mesmo,” que oferece uma visão íntima sobre o artista.
O conceito de metamorfose, no entanto, não surgiu do nada. Raul foi influenciado pelo livro “Metamorfoses” de Ovídio, um poeta latino do ano 8 D.C.
Este livro, que pertencia à biblioteca de seu pai, é uma obra-prima da literatura romana e conta a história da humanidade através de mitos e transformações.
Raul mergulhou fundo na filosofia antes de iniciar sua carreira musical, e isso teve um impacto significativo nas letras que escreveu.
Em uma entrevista de 1987 para a revista Bizz, Raul mencionou suas influências literárias e filosóficas: “Tudo que eu estudei, estudei latim só para ler Metamorfoses de Ovídio.
Me formei em filosofia, inglês arcaico, estudei muito psicologia. Fui a fundo mesmo, mas não levei adiante.
Estudei direito, mas filosofia mesmo foi até além do que deveria.” Essa profundidade de estudo permitiu a Raul criar letras que iam além do superficial, explorando temas existenciais e questionando verdades absolutas.
A Parceria com Paulo Coelho
A colaboração entre Raul Seixas e Paulo Coelho é lendária, mas também marcada por momentos de competição e arrependimentos.
Paulo Coelho, em seu livro “O Início, o Fim e o Meio” de 2012, confessou que lamenta não ter escrito “Metamorfose Ambulante” com Raul.
Ele conta que, durante o processo de criação, desdenhou da letra, achando-a horrível. Essa relação competitiva, entretanto, foi a chave para o sucesso da parceria, impulsionando-os a criar músicas icônicas.
Paulo Coelho disse: “Tem duas músicas do Raul que eu adoraria ter feito e não fiz. Uma é ‘Metamorfose Ambulante.’
Ele falou assim: ‘Que coisa horrorosa, Metamorfose Ambulante, isso não tá com nada.’ É uma dessas coisas que não tá com nada, não.” A outra música que Paulo gostaria de ter escrito era “Maluco Beleza”, composta por Raul e Cláudio Roberto.
O Significado de “Metamorfose Ambulante”
Mas qual é o verdadeiro significado de “Metamorfose Ambulante”? Raul Seixas, em um depoimento em vídeo de 1973, explicou que a letra visa questionar as verdades absolutas.
Ele afirmou: “É o problema da Verdade Absoluta, né? Não existe nenhuma verdade absoluta porque a verdade absoluta não existe. Eu venho com a música trazer apenas abrir as portas para que as verdades individuais existam livremente.”
Em uma entrevista ao Pasquim no mesmo ano, Raul revelou que suas referências literárias e filosóficas moldaram suas letras.
Ele citou o pessimismo de Augusto dos Anjos e a filosofia de Schopenhauer como influências significativas.
Além disso, Raul mencionou que sua infância foi marcada por um pessimismo incrível, mas que com o tempo ele começou a abrir sua mente para novas ideias, rejeitando verdades absolutas.
O Contexto Histórico e Social
A sociedade brasileira na época de Raul Seixas vivia uma intensa polarização política e cultural. De um lado, havia o regime militar, e do outro, a esquerda universitária e o movimento hippie, que buscavam novas formas de interpretar o mundo.
Raul e Paulo Coelho estavam imersos nesse contexto, explorando o realismo fantástico e o misticismo em busca de respostas.
Raul também usou “Metamorfose Ambulante” para criticar a MPB (Música Popular Brasileira) da época.
Ele queria ampliar seus contatos e o alcance de seu universo musical, sem se prender a movimentos específicos. Em suas próprias palavras, ele buscava “abrir as portas para deixar passar a boiada das ideias e pensamentos individuais,” sem apresentar uma ideia definitiva.
“Metamorfose Ambulante” continua sendo um hino atemporal, refletindo a essência de Raul Seixas como artista e pensador. Sua capacidade de questionar, mudar e evoluir é um testemunho de sua genialidade. A música não apenas captura a filosofia de Raul, mas também ressoa com qualquer pessoa que busca viver de forma autêntica e livre de verdades absolutas.