Em uma indústria cinematográfica que cada vez mais se rende a fórmulas previsíveis, orçamentos colossais e execuções estéreis, a existência de Monty Python e o Santo Graal soa como um milagre — ou melhor, como uma gloriosa piada cósmica. Lançado em abril de 1975, esse filme britânico independente, feito com um orçamento que mal cobria as refeições do elenco, não só sobreviveu às expectativas de efemeridade, como floresceu, tornando-se uma das comédias mais reverenciadas da história do cinema. Meio século depois, ele continua a ser exibido, citado, analisado e, acima de tudo, amado.
Dirigido por Terry Gilliam e Terry Jones, o filme surgiu das mentes subversivas por trás do programa de esquetes Monty Python’s Flying Circus, transmitido pela BBC entre 1969 e 1974. O grupo era composto por seis membros com formações acadêmicas e experiências artísticas muito distintas: John Cleese, Michael Palin, Eric Idle, Graham Chapman e Terry Jones vieram das tradicionais universidades britânicas de Oxford e Cambridge, enquanto Gilliam, o único americano do grupo, aportou na ilha com sua arte psicodélica e senso de caos animado.
Ainda que tenham ganhado notoriedade com seus esquetes televisivos, o desejo de alguns Pythons era ir além. Michael Palin lembra que, após o primeiro longa, And Now For Something Completely Different (1971), que basicamente remontava esquetes do programa, surgiu uma vontade genuína de fazer um filme de verdade. E, com o aval hesitante de parte do grupo — Cleese e Idle estavam engajados em projetos paralelos — o Santo Graal começou a ganhar forma.
Entre a Lenda Arturiana e a Loucura Python
A escolha da lenda do Rei Arthur e da busca pelo Santo Graal não foi acidental, tampouco um tributo devoto à tradição medieval. Segundo Palin, o tema servia perfeitamente ao coletivo: “Cada um de nós podia interpretar um cavaleiro. Era uma estrutura que nos dava liberdade narrativa e, ao mesmo tempo, um fio condutor para a loucura.”
Terry Jones, que viria a se tornar um respeitado historiador medieval, já flertava com o tema na série The Complete and Utter History of Britain. Mas em Santo Graal, o medievalismo é apenas pano de fundo para um desfile anárquico de cenas hilárias, que desafiam lógica, expectativa e decoro.
A estrutura do filme é notoriamente não linear: cavaleiros que andam sem cavalos, cocos que simulam cascos, debates sobre aerodinâmica de andorinhas, camponeses anarquistas e um coelho assassino. O absurdo é constante, e o riso vem tanto da quebra das convenções quanto da entrega total à bobagem com seriedade.
Financiamento Rock’n’Roll e a Liberdade de Criar
O projeto quase não saiu do papel. A BBC não quis financiar o filme. Foi então que o empresário teatral Michael White ajudou a reunir fundos por meios pouco ortodoxos. Bandas como Led Zeppelin e Pink Floyd — fãs confessos do grupo — investiram dinheiro na produção. Em troca, ganharam um alívio fiscal e, quem sabe, um lugar na eternidade cultural ao lado dos Pythons.
Gilliam lembra com carinho: “Graças a Deus pelo rock’n’roll. Ninguém mandava em nós. Éramos seis malucos tomando todas as decisões.”
Com apenas £300.000 de orçamento, a equipe teve de usar toda sua criatividade. Sem cavalos reais, vieram os cocos. Quando perderam as autorizações para filmar em diversos castelos escoceses, usaram o Castelo de Doune sob ângulos diferentes, dando a impressão de cenários variados. Hoje, o local é ponto turístico visitado por fãs munidos de… cocos de lembrança.
O Realismo como Ferramenta de Humor
Para Jones e Gilliam, o humor nascia do contraste com a realidade. “Queríamos texturas reais, sujeira, fumaça, o clima sombrio da Idade Média”, lembra Gilliam. A estética buscava inspiração em pintores como Bruegel e cineastas como Pasolini. Isso gerou atritos internos: Cleese e Idle queriam apenas fazer rir; Jones e Gilliam queriam construir uma atmosfera autêntica para que a comédia brilhasse por contraste.
Chapman, que interpretava o Rei Arthur, comprometeu-se com essa visão. Sua seriedade em meio ao caos — como um general em meio a bobos da corte — deu ao filme sua espinha dorsal. Sem esse contraste, o filme teria sido apenas mais uma colagem de esquetes. Com ele, tornou-se uma narrativa coesa, ainda que deliciosamente absurda.
Do Culto à Cultura Pop
Monty Python e o Santo Graal não apenas gerou dois sucessores — A Vida de Brian (1979) e O Sentido da Vida (1983) — como também foi adaptado para os palcos em Spamalot, musical da Broadway que venceu o Tony em 2005. Mesmo Terry Gilliam, crítico feroz de adaptações, elogiou o espetáculo, ainda que dissesse sentir falta da lama.
Além disso, personagens como o Cavaleiro Negro (“É apenas um arranhão!”) e Sir Robin, o covarde, tornaram-se arquétipos culturais. Seus bordões ecoam em debates políticos, paródias televisivas e memes da internet. O humor, diz Gilliam, “sempre foi sobre pessoas reais em situações absurdas”.
O Efeito Santo Graal
O legado do filme é paradoxal: ao buscar o realismo para acentuar o humor, o grupo estabeleceu um novo padrão visual para filmes medievais. Tanto que, quando o sério Lancelot du Lac (1975), de Robert Bresson, foi lançado no Reino Unido, o público riu — mesmo sendo um drama. A estética havia sido “sequestrada” pelos Pythons.
Além do cinema, o filme mudou a trajetória dos próprios criadores. Gilliam se descobriu diretor, iniciando uma carreira que incluiria obras como Brazil (1985) e Os Doze Macacos (1995). Palin e Jones seguiram como documentaristas e escritores. O grupo, que poderia ter se dispersado após a série de TV, encontrou no cinema um novo palco — e o mundo, um novo tipo de comédia.
Como bem disse Palin, foi durante esperas tediosas em aeroportos que nasceu a ideia para o próximo filme, inicialmente chamado Jesus Christ: Lust for Glory, e que se tornaria o já lendário A Vida de Brian. A piada não tinha acabado. Pelo contrário, estava apenas começando.
Referências bibliográficas:
McCabe, Bob. The Pythons: Autobiography by the Pythons. Thomas Dunne Books, 2005.
Wilmut, Roger. From Fringe to Flying Circus: Celebrating a Unique Generation of Comedy 1960–1980. Eyre Methuen, 1980.
Chapman, Graham. A Liar’s Autobiography. Methuen Publishing, 1980.
Robinson, David. The Times Guide to the British Film. Times Books, 1979.
BBC. “Monty Python and the Holy Grail: The Untold Story.” 2025.