No artigo de hoje, vamos tentar descobrir quais os motivos que levaram Caetano Veloso a escrever a canção Reconvexo e qual sua relação com Paulo Francis.
Mais do que uma simples canção, “Reconvexo” é um manifesto poético, carregado de símbolos culturais e críticas ácidas, principalmente direcionadas ao jornalista Paulo Francis. Vamos explorar os motivos que levaram Caetano a escrever essa música, desvendando as referências culturais e a relação conflituosa entre o compositor e Francis.
Canção de autoria de Caetano Veloso, gravada por sua irmã, Maria Bethânia no ano de 1989, no álbum “Memória da Pele”.
Essa canção é uma resposta a gente que está desmerecendo a cultura brasileira, em detrimento a outras culturas consideradas superiores, principalmente o jornalista Paulo Francis, que viviam se metendo em polêmicas com Caetano Veloso.
Francis correspondente da rede globo em Nova York, fazia pesadas críticas a Caetano, que na época vivia no exílio em Roma e na letra da música é retratado como o careta.
Na canção, Caetano cita vários elementos, que ao seu modo de ver, ajudaram na construção de uma identidade brasileira.
Um texto poético não tem obrigação de ser coerente como um todo, sua função é mais de despertar sentimentos e fazer pensar. Por isso utilizou os elementos que mais lhe pareciam importantes.
Estando no exílio em Roma, queria compor uma música para sua irmã Bethânia gravar e o primeiro verso da composição nasceu de um modo inusitado.
Certa manhã em Roma, e na companhia de dois amigos italianos, ele viu que os carros estavam cobertos por areia e perguntou o motivo, eles responderam ser areia do Deserto do Saara trazida pelos ventos.
Na música ele também cria uma nova palavra, o neologismo Reconvexo, criado por Caetano, com base em convexo, ou seja, aquilo que tem uma cavidade curva, que forma uma saliência arredondada para fora. Juntando-se Recôncavo baiano com convexo, se tem Reconvexo.
Recôncavo baiano é a área litorânea do estado da Bahia, em torno da baía de Todos os Santos.
Para Caetano, o careta não pode ser Recôncavo nem Reconvexo, por isso o descarta.
Outro fator interessante na letra é a junção das palavras Gita e Gogóia. A primeira é título da composição de Raul Seixas em parceria com Paulo Coelho, que dá nome seu álbum de maior sucesso, de 1974, onde ele faz uma referência ao Bhagavad-Gitā, um dos textos sagrados do Hinduísmo, a segunda faz parte de música Fruta Gogóia, gravada por Gal Costa no LP Fatal, de 1971, referência ao folclore baiano. Referências essas também voltadas para a construção da identidade nacional, onde o eu sou, se mostra como a fusão de várias culturas, desde da indígena até a oriental.
A citação a matriarca da Roma Negra, faz referência a Eugênia Anna Santos, que foi uma expressiva Ialorixá do Estado da Bahia, descendente da Nação Grunce, que assim chamava Salvador por ser a metrópole com maior número de negros fora da África.
O texto também faz referências a Henri Salvador, um compositor, guitarrista e cantor originário da França, que morou na cidade do Rio de Janeiro, e é considerado um dos precursores da Bossa Nova; O autor também cita na mesma frase o Olodum, conhecido bloco-afro presente no carnaval baiano que agita o Pelourinho e é ponto de turismo, cultura e lazer em Salvador;
Por fim, a referência à própria família de Caetano, com a menção à mãe, Dona Canô, encerra a canção de forma intimista. Dona Canô, uma figura venerada na Bahia, representa a força da tradição e dos valores familiares, pilares na vida de Caetano e Bethânia. Ao fechar a canção com essa referência, Caetano nos lembra que, apesar de todas as influências e críticas, a cultura e a identidade que ele defende estão enraizadas naquilo que é mais próximo e pessoal: sua família e sua terra.
Joãozinho Beija-Flor, e o famoso carnavalesco de várias Escolas de Samba do Rio; com sua visão grandiosa e barroca do carnaval, representa a explosão criativa que desafia as normas e limitações impostas pela sociedade.
A menção a Bobô, jogador de futebol e heroi do Bahia, campeão brasileiro de 1988, conecta a música ao orgulho local e às vitórias do povo baiano. Essa referência ao esporte, algo tão central na cultura brasileira, humaniza a canção e a aproxima do cotidiano do brasileiro comum, ao mesmo tempo em que celebra os feitos de figuras locais.
Andy Warhol, famoso pintor e cineasta norte americano, participante do movimento pop-art., e a sua risada refere-se ao deboche irônico da sociedade moderna.
“Reconvexo” é, portanto, uma canção que vai além de uma simples resposta a críticas. É um manifesto de orgulho e resistência cultural, um mosaico de referências que juntas compõem uma identidade brasileira rica, complexa e inimitável. Caetano Veloso, com sua maestria poética, transforma sua indignação em arte, criando uma obra que, ao mesmo tempo que celebra, defende a cultura brasileira contra aqueles que a desmerecem. Em “Reconvexo”, Caetano não apenas responde a Paulo Francis; ele afirma a singularidade e a importância de ser brasileiro, em toda a sua complexidade e diversidade.
Se preferir, ouça um podcast sobre o assunto:
A música Reconvexo não é de 1989?